São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

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Os franceses e a economia de mercado

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Desde fevereiro , a França tem sido sacudida por manifestações contra a lei que estabeleceu um novo contrato de primeiro emprego, CPE nas suas iniciais em francês, para os menores de 26 anos.
Num país em que a legislação trabalhista torna difícil um empregador despedir um assalariado, uma empresa poderia demitir sem justa causa um contratado pelo CPE durante os primeiros dois anos de emprego.
O primeiro-ministro Dominique de Villepin defende o CPE como um instrumento para combater o desemprego entre os de até 25 anos, que atinge 23%, e em particular o desemprego entre os jovens suburbanos, que ultrapassa 40%, mas os adversários da medida argumentam que o número total de empregos não será afetado -as empresas vão simplesmente substituir empregos estáveis por contratos CPE.
A lei foi aprovada com pouco debate, utilizando a disciplinada maioria de direita na Câmara dos Deputados. O governo foi pego de surpresa pela reação negativa de grande parte da sociedade.
Mas o surpreendente é o despreparo do governo francês. Uma pesquisa da Globescan constatou que, na França, somente 36% dos entrevistados concordaram que "o sistema de livre mercado é o melhor sistema para o futuro do mundo", a menor taxa observada entre 20 países. Enquanto isso, essa proposição foi aprovada por 74% dos entrevistados chineses e 57% dos brasileiros.
Os franceses parecem, sobretudo, acreditar que o sistema capitalista é incapaz de criar empregos. A partir da década de 30, alguns economistas keynesianos argumentaram que a economia de mercado era incapaz de manter o pleno emprego. Um prognóstico comum era que a Grande Depressão voltaria com o fim da Segunda Guerra Mundial. O pós-guerra desmentiu essa predição, mas, a partir da década de 80, o ressurgimento do desemprego tornou de novo popular na França a idéia de que o aumento de produtividade destrói empregos. Os exemplos dos EUA e do Reino Unido, países nos quais os impostos são menores, o emprego é menos regulamentado, o Estado investe mais e melhor na criação de ciência e tecnologia e que têm menos desemprego, é simplesmente ignorado.
Um corolário dessa doutrina é que, para diminuir o desemprego, é preciso dividir o emprego existente entre um maior número de trabalhadores. O resultado mais conhecido dessa hipótese é a semana de 35 horas, introduzida em 1998 pelo governo socialista. Para diminuir o impacto sobre os custos da empresa, alguns impostos sobre o trabalho foram reduzidos, aumentando o déficit da previdência francesa. A lei também garantiu que os salários mais baixos não sofreriam redução.
Em geral, é difícil medir o impacto de uma mudança legal, porque é preciso ter em conta outras transformações que ocorrem ao mesmo tempo no ambiente econômico. A lei francesa teve, entretanto, uma peculiaridade que torna mais fácil a estimação do seu efeito. As empresas grandes tiveram que cumprir as 35 horas a partir de 2000, enquanto as empresas menores só foram afetadas em 2002. Se as 35 horas gerassem mais postos, o emprego nas firmas maiores deveria ter crescido mais do que nas firmas menores em 2000-2002. Mas nesse período não se encontra diferença de comportamento do emprego entre as firmas grandes e as pequenas. Como geradora de emprego, a lei das 35 horas parece ter sido um fracasso.
A reforma proposta por Villepin teria no máximo um impacto moderado sobre o emprego e não vale a comoção que gerou. O que falta na França são políticos mais corajosos que proponham mudanças profundas na legislação trabalhista, nos impostos e no sistema de educação superior e pesquisa.


José Alexandre Scheinkman, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com


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