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Os franceses e a
economia de mercado
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Desde fevereiro , a França
tem sido sacudida por manifestações contra a lei que estabeleceu um novo contrato de primeiro
emprego, CPE nas suas iniciais em
francês, para os menores de 26
anos.
Num país em que a legislação
trabalhista torna difícil um empregador despedir um assalariado,
uma empresa poderia demitir sem
justa causa um contratado pelo
CPE durante os primeiros dois
anos de emprego.
O primeiro-ministro Dominique
de Villepin defende o CPE como
um instrumento para combater o
desemprego entre os de até 25
anos, que atinge 23%, e em particular o desemprego entre os jovens
suburbanos, que ultrapassa 40%,
mas os adversários da medida argumentam que o número total de
empregos não será afetado -as
empresas vão simplesmente substituir empregos estáveis por contratos CPE.
A lei foi aprovada com pouco debate, utilizando a disciplinada
maioria de direita na Câmara dos
Deputados. O governo foi pego de
surpresa pela reação negativa de
grande parte da sociedade.
Mas o surpreendente é o despreparo do governo francês. Uma pesquisa da Globescan constatou que,
na França, somente 36% dos entrevistados concordaram que "o sistema de livre mercado é o melhor sistema para o futuro do mundo", a
menor taxa observada entre 20
países. Enquanto isso, essa proposição foi aprovada por 74% dos entrevistados chineses e 57% dos brasileiros.
Os franceses parecem, sobretudo,
acreditar que o sistema capitalista
é incapaz de criar empregos. A partir da década de 30, alguns economistas keynesianos argumentaram que a economia de mercado
era incapaz de manter o pleno emprego. Um prognóstico comum era
que a Grande Depressão voltaria
com o fim da Segunda Guerra
Mundial. O pós-guerra desmentiu
essa predição, mas, a partir da década de 80, o ressurgimento do desemprego tornou de novo popular
na França a idéia de que o aumento de produtividade destrói empregos. Os exemplos dos EUA e do Reino Unido, países nos quais os impostos são menores, o emprego é
menos regulamentado, o Estado
investe mais e melhor na criação
de ciência e tecnologia e que têm
menos desemprego, é simplesmente ignorado.
Um corolário dessa doutrina é
que, para diminuir o desemprego,
é preciso dividir o emprego existente entre um maior número de trabalhadores. O resultado mais conhecido dessa hipótese é a semana
de 35 horas, introduzida em 1998
pelo governo socialista. Para diminuir o impacto sobre os custos da
empresa, alguns impostos sobre o
trabalho foram reduzidos, aumentando o déficit da previdência
francesa. A lei também garantiu
que os salários mais baixos não sofreriam redução.
Em geral, é difícil medir o impacto de uma mudança legal, porque é
preciso ter em conta outras transformações que ocorrem ao mesmo
tempo no ambiente econômico. A
lei francesa teve, entretanto, uma
peculiaridade que torna mais fácil
a estimação do seu efeito. As empresas grandes tiveram que cumprir as 35 horas a partir de 2000,
enquanto as empresas menores só
foram afetadas em 2002. Se as 35
horas gerassem mais postos, o emprego nas firmas maiores deveria
ter crescido mais do que nas firmas
menores em 2000-2002. Mas nesse
período não se encontra diferença
de comportamento do emprego entre as firmas grandes e as pequenas. Como geradora de emprego, a
lei das 35 horas parece ter sido um
fracasso.
A reforma proposta por Villepin
teria no máximo um impacto moderado sobre o emprego e não vale
a comoção que gerou. O que falta
na França são políticos mais corajosos que proponham mudanças
profundas na legislação trabalhista, nos impostos e no sistema de
educação superior e pesquisa.
José Alexandre Scheinkman, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos
domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com
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