São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Vantagens e custos da acumulação de reservas

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

À s vésperas da crise da dívida deflagrada pelo default do México em 1982, os países em desenvolvimento mantinham a relação reservas internacionais/PIB entre 5% e 7%. Essas cifras correspondiam, em média, a três meses de importação. Em 2004, a relação reservas/PIB saltou para 35%, e o estoque de liquidez passou a cobrir mais de oito meses de importação.
A acumulação de reservas ganhou impulso no início dos anos 90. Coincide com a primeira onda de liquidez global e de investimento direto estrangeiro -quando se intensificam os movimentos de capitais dos países desenvolvidos para os emergentes. A formação de reservas teve ligeiro declínio em 1997/8, mas logo depois a pendente da curva se torna mais inclinada.
Alguém poderia argumentar que as políticas mercantilistas da China, com o propósito de impedir a valorização do yuan e de defender a competitividade das exportações, teve papel essencial na acumulação de liquidez em moeda forte por parte dos países em desenvolvimento. Errado. Excluída a China, os resultados (as proporções reservas/PIB e os meses de importação cobertos) permanecem os mesmos.
O economista Dani Rodrik, da Universidade Harvard, publicou recentemente um ensaio sobre as razões dessa "anomalia". Antes da globalização financeira, diz ele, os países administravam suas reservas em moeda forte com o objetivo de garantir liquidez suficiente para as transações em conta corrente do balanço de pagamentos. O aumento do número de meses de importação (de três ou quatro para oito) coberto pelas reservas desqualifica a suspeita de que uma fração do aumento das reservas possa ser debitado à ampliação da abertura comercial nos emergentes.
Para o professor de Harvard, o aumento rápido das reservas está claramente relacionado com a explosão dos mercados de ativos financeiros e títulos de dívida nos distintos mercados. A amostra de países emergentes tratada por Rodrik revela que a relação entre as reservas em moeda forte e M2 (papel moeda mais depósitos à vista mais depósitos a prazo) manteve-se estável nos anos 90. Ao mesmo tempo, para a maioria dos emergentes, a proporção entre dívida de curto prazo e reservas aumentou. Como a liquidez de uma empresa ou de um país é um conceito relativo, Rodrik não entende por que a maioria dos emergentes não tratou de reduzir o endividamento de curto prazo e preferiu acumular reservas, pagando quase sempre um custo de carregamento elevado e sem qualquer benefício no que se refere ao investimento produtivo.
A resposta: "Somos levados à conclusão incontornável de que os emergentes responderam à globalização financeira de uma forma desequilibrada, longe de ser a mais adequada. Investiram na custosa estratégia de acumular reservas e subutilizaram os métodos de controle de capitais. É fácil descobrir as razões de tal cometimento: ao contrário da acumulação de reservas, impor controles ao endividamento de curto prazo contraria poderosos interesses, dentro e fora de cada país. O controle de capitais ganhou a péssima reputação de "intervenção no mercado" que a formação de reservas não tem". Façanhas dos bancos centrais "independentes".


Luiz Gonzaga Belluzzo, 63, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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