São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RECEITA ORTODOXA

Para professor, transferência de ganho dos salários para rentistas é a maior desde o governo Figueiredo

Juro tira mais renda do trabalho, diz estudo

SANDRA BALBI
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Quem recebe juros -bancos, empresas, investidores e algumas instâncias de governo- ganhou 25,8% a mais do que os assalariados no primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
"O trabalhador sempre perdeu para o rentista na história do Brasil. Mas no governo Lula ele está perdendo o dobro do que na média dos últimos 20 anos", diz o economista Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Gonçalves é autor de um estudo que analisa a relação entre juros e salários de 1983 a 2003. Segundo ele, a diferença entre os ganhos financeiros e a variação dos salários configura transferência de renda dos trabalhadores aos rentistas.
"A transferência de renda no governo Lula só é menor do que a que ocorreu no governo Figueiredo [1979-1985]", afirma. Naquele período, o ganho anual dos rentistas foi 29,4% superior ao dos assalariados.
Na média dos últimos 20 anos, segundo o estudo, a diferença entre o ganho anual dos rentistas e o dos assalariados foi de 12,5%.
Para chegar a esses valores, o economista mediu a relação juro/salário ao dividir a taxa mensal de juro nominal (a taxa básica da economia efetivamente praticada no mercado) pela variação mensal da renda média nominal dos trabalhadores. "Essa é uma relação-chave, pois se trata dos dois preços mais importantes da economia", afirma.
Segundo Gonçalves, a relação juro/salário dá uma visão da distribuição da renda na sociedade e tem impacto na acumulação de capital e no crescimento econômico. "Não por acaso, nos momentos em que a relação juro/salário foi mais baixa, o país cresceu - mesmo com inflação", diz.
Ele cita o exemplo do período que vai de 1992 a 1995, em que a relação juro/salário declinou. "Foi um período de hiperinflação, juros altíssimos, mas a economia crescia", afirma. Em 1994, por exemplo, a inflação bateu em 2.407% ao ano, o juro mensal girava em torno dos 50%, mas a economia cresceu 5,9%.
Esse foi, entretanto, um período de indexação dos salários, que permitiu, segundo ele, manter o poder de compra do trabalhador, gerando consumo e crescimento.
"A inconsistência do modelo econômico do governo Lula é que ele mantém uma política fiscal altamente restritiva e uma política salarial restritiva, e aí não adianta baixar as taxas de juros. Sem recuperação salarial, o Brasil vai continuar sem investimento e sem crescimento."

Contraponto
Economistas que analisaram o estudo de Gonçalves, a pedido da Folha, questionam sua metodologia de análise e suas conclusões. "O estudo parte de um equívoco -a comparação entre juro e salário- e leva a conclusões equivocadas -de que houve transferência de renda dos assalariados para os rentistas", diz o economista Joaquim Elói Cirne de Toledo.
Segundo Toledo, numa economia hipotética na qual a taxa de juro e a inflação são zero e o salário está em queda, a relação juro/ salário sobe. "Isso ocorre porque o juro fica alto se comparado ao salário declinante. Mas quem é credor [ou rentista] nessa economia ganha zero de renda."
Assim, na sua opinião, é falsa a hipótese da transferência de renda dos trabalhadores para os rentistas. Segundo Toledo, Gonçalves mistura poder de compra com juro, ao juntar dois preços da economia que não há por que serem unidos. "Juros e salários mostram duas coisas diferentes."
Para Toledo, o trabalho do professor Gonçalves permite concluir apenas uma coisa: "Que o juro real é alto no Brasil, coisa que sabemos há muito tempo". Juro real é a taxa nominal de juro comparada aos demais preços da economia [ou seja, descontada a inflação]. "Gonçalves deflacionou o juro pelo salário, e não pelo IPC."
Alguns economistas consultados -e que preferem o anonimato- consideraram o estudo de Gonçalves "tautológico" (verdade trivial, tão evidente que não é necessário ser enunciada). Para esses analistas, historicamente os salários perdem para os juros, para o câmbio e para a inflação.
Eles lembram que uma forma eficiente de demonstrar a perda dos salários e o ganho dos rentistas é analisar as contas nacionais.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Cai participação dos salários no PIB em dez anos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.