São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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PIRATARIA VERMELHA

Apropriação de patentes e uso indevido de marcas causam prejuízos estimados em US$ 24 bi por ano

Falsificações lesam multinacionais na China

CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

A Antarctica não vende guaraná na China, mas uma logomarca quase idêntica à do seu mais célebre produto está nas prateleiras de supermercados de Pequim, na versão local da bebida fabricada pela Lida Gualana Beverages.
Os desavisados imaginam estar comprando guaraná Antarctica, mas aos poucos percebem que estão diante de mais uma das centenas de casos de utilização de marcas consagradas por produtores locais, um dos principais problemas da China para as empresas estrangeiras.
Falsificações, apropriação de patentes e uso indevido de marcas são tão comuns na China quanto as bicicletas e atingem fabricantes de todos os tipos de produto: de elevadores e autopeças a tênis e Viagra.
O governo norte-americano estima que 90% dos softwares, DVDs e CDs comercializados na China sejam piratas. Só nesses setores, o prejuízo anual das companhias dos Estados Unidos com as falsificações na China é estimado em US$ 2,6 bilhões.
A venda de produtos de grife pirateados é institucionalizada e ocorre em grandes mercados nas principais cidades do país. Exemplares perfeitos de Prada, Gucci, Giorgio Armani, Christian Dior, Hermés, Louis Vuitton e Hugo Boss são vendidos nas ruas por uma ínfima fração de seu preço de mercado. DVDs custam US$ 1, e CDs, entre US$ 0,60 e US$ 0,90.

Máquinas também
Mas o desrespeito à propriedade intelectual não fica apenas nos bens de consumo e atinge também fabricantes de máquinas. A Embraco, empresa sediada no Brasil que é a maior fabricante de compressores para geladeiras do mundo, está prestes a iniciar uma batalha judicial para impedir a utilização de certos componentes de seus compressores por duas fábricas do sul da China.
Instalada no país asiático desde 1995, a Embraco descobriu o problema em uma das inspeções de rotina que faz nos aparelhos de seus concorrentes. Os componentes foram desenvolvidos pela empresa e patenteados na China. Isso significa que, para utilizá-los, qualquer outra companhia teria de obter licença da Embraco e pagar royalties pela patente.
Essa não é a primeira vez que a empresa tem problemas com propriedade intelectual na China: há pouco mais de um ano ela ganhou uma ação que obrigou uma de suas concorrentes a deixar de produzir compressores com a utilização do nome "Aspera", companhia italiana comprada pela Embraco.
Como foi bem-sucedida na primeira vez em que recorreu à Justiça, a Embraco acredita que vai conseguir novo resultado positivo. "Há disposição do governo e da Justiça para coibir esse problema. Quando provamos que havia uso indevido da marca, ganhamos a ação", afirma Mauro Roberto Santos, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Embraco na China.

Empresas criam comitê
As multinacionais donas das marcas mais visadas pelos falsificadores uniram forças em 2000 no Comitê de Proteção a Marcas de Qualidade (QBPC, na sigla em inglês), entidade que reúne 92 empresas com investimentos totais de US$ 30 bilhões na China.
"Apesar de a falsificação não ocorrer apenas na China, o crescimento econômico sem precedentes do país levou a um aumento da falsificação que, em tamanho, amplitude e gravidade, parece não ter paralelo na história", afirma documento de apresentação do QBPC.
As empresas reunidas na entidade estimam que os produtos pirateados correspondam a 25% de seu mercado na China.
Quando se cansam das tecnicalidades, os chineses lançam mão do argumento histórico, com boa dose de ironia: depois de inventar o papel, a tinta, os fogos de artifício e nunca receber um centavo do Ocidente pela sua utilização, por que teriam agora de pagar pelo uso das invenções ocidentais?


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