São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Desvalorização cambial na China ainda preocupa

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Em entrevista que será publicada amanhã na revista "Conjuntura Econômica" (da Fundação Getúlio Vargas), o economista Sergio Werlang, diretor de Política Econômica do Banco Central, menciona a desvalorização cambial na China como um dos eventos que podem voltar a abalar o sistema financeiro internacional nos próximos meses.
Uma boa questão é saber porque a China resistiu tão bem, até agora, às crises asiáticas e em outros mercados emergentes.
A resposta, entretanto, pode estar numa característica do sistema financeiro chinês que é oposta ao princípio de ampla liberdade de capitais que o próprio Werlang defende nessa mesma entrevista.
Há hoje praticamente um consenso de que a capacidade chinesa de se isolar da crise deve muito ao controle sobre os fluxos de capitais, especialmente sobre o endividamento externo.
Como a China é uma máquina de gerar divisas, usando práticas comerciais igualmente heterodoxas, fica difícil ocorrer um ataque especulativo contra sua moeda.
A receita do sucesso chinês é portanto bastante simples: muitas reservas internacionais em caixa e dívida externa baixa.
Um detalhe institucional, entretanto, ajuda a entender a dificuldade que os investidores teriam para atacar a moeda chinesa. O governo simplesmente impede o funcionamento de um mercado futuro na moeda local (o renimbi).
Para alguns analistas econômicos, um dos problemas da China seria o sistema bancário, tão bichado quanto os de muitos congêneres asiáticos, com bancos fracos e empréstimos a empresas estatais em dificuldades.
Ainda assim, o controle de capitais chinês funcionou nos últimos anos como um bloqueio ao endividamento externo desses bancos. As reservas internacionais do país chegaram a US$ 149 bilhões no final do ano passado, para uma dívida externa total da ordem de US$ 130 bilhões.
Resta saber se as informações disponíveis são confiáveis. No final de 1997, as autoridades chinesas reconheciam uma dívida externa bancária de US$ 40,3 bilhões. As estatísticas do Banco de Compensações Internacionais mostram um total de quase US$ 90 bilhões registrado pelos bancos.
É uma discrepância razoável e lembra a situação coreana, cujo governo ou não sabia ou escondia o valor real da dívida externa.
No caso da China, as dúvidas sobre exatidão ou confiabilidade dos dados afetam praticamente todas as estatísticas econômicas.
Mas talvez o fato mais relevante para avaliar os riscos de uma desvalorização cambial na China não seja de ordem financeira. Em outros casos de crise cambial na Ásia, a origem do colapso em geral esteve numa onda de fuga de capitais ou numa acentuada fragilidade financeira.
A China está isolada desse tipo de risco, mas nada impede que o governo chinês queira desvalorizar a moeda. Não para evitar uma crise de balanço de pagamentos (o país tem superávit em conta corrente e investe o excedente em títulos do governo dos Estados Unidos), mas para manter a China como potência exportadora, ampliando assim sua capacidade de crescimento e atração de investimento estrangeiro.
Em resumo, a China demonstrou até agora uma clara resistência aos movimentos especulativos, sobretudo porque seus sistema econômico está a léguas de distância da receita de liberalismo adotada em outros países da Ásia e da América Latina. Mas nada impede uma desvalorização voluntária, decidida com base em razões estratégicas e políticas, principalmente se os mais importantes mercados chineses, como o norte-americano, entrarem numa rota de desaquecimento nos próximos meses.


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