São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Comprar dívida pública pela internet é uma saída

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Há duas semanas não se fala de outra coisa: a dívida pública brasileira é impagável, o Banco Central teria tropeçado na rolagem dos títulos, muita gente perdeu dinheiro onde jamais imaginaria correr riscos, ou seja, nos fundos de investimento lastreados em títulos garantidos pelo governo. O resultado foi a valorização espetacular do dólar e, mais uma vez, a ladainha dos que afirmam ser impossível reduzir as taxas de juros no Brasil.
Muito se publicou a respeito, em geral tentando explicar o que é um título público ou identificando as instituições financeiras em que ocorreram as maiores perdas. O que ninguém notou é que qualquer indivíduo pode comprar e vender títulos públicos pela internet, praticamente sem a intermediação de uma instituição financeira.
A novidade é recente e faz parte do desenvolvimento do governo eletrônico brasileiro (Tesouro Direto, iniciativa da Secretaria do Tesouro em conjunto com a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia). Em todo o mundo, há experiências semelhantes apenas na Espanha e nos EUA. Para quem estiver interessado, o endereço é www.tesouro.fazenda. gov.br/tesouro-direto.
O projeto foi ao ar em janeiro deste ano e é um dos casos que concorrem ao Prêmio Excelência em Informática Pública, no 5º Congresso de Informática Pública. Outros projetos estão disponíveis no site do evento, que acontece em São Paulo na próxima semana, entre os dias 11 e 13 (http://www.conip.com.br/).
Mas quem, afinal, vai ter interesse nisso agora? Ao menos em tese, uma das lições do episódio com os fundos é que os investidores, principalmente os correntistas de bancos, são muito mal informados. O comentário veio de autoridades do Banco Central e de analistas do mercado: se o BC não tivesse alterado as regras, somente os investidores de maior porte e mais informados teriam vendido a tempo seus papéis públicos, saindo dos fundos cuja rentabilidade vinha caindo.
Se isso é verdade, a existência de um canal direto entre o Tesouro e as pessoas pode ser uma saída (embora obviamente não seja uma solução para as necessidades de financiamento do governo, na casa das centenas de bilhões de reais). Se cada investidor evitasse o banco e passasse a negociar diretamente seus investimentos pela rede, o sistema financeiro no mínimo teria de informar melhor as condições em que vende seus produtos.
Parece utopia? Mas não é. Desde a década de 80, sobretudo nos Estados Unidos, analistas e tecnocratas discutem a desintermediação financeira, ameaça real à rentabilidade de bancos na medida em que instituições financeiras não-bancárias ocupam espaço e oferecem alternativas a pessoas, empresas e investidores institucionais.
Assim como os mercados de CDs, de livros ou de vídeos podem sofrer sérios abalos com a disseminação das redes de informação e comunicação, com destaque para a internet, os mercados financeiros também podem passar por mudanças radicais.
No caso dos títulos da dívida pública, a idéia ainda parece esdrúxula e sua disseminação não é apenas uma questão de haver tecnologia disponível (a começar pela questão do poder dos bancos na economia brasileira). Mas é um projeto que ilustra o potencial de mudança em políticas públicas a partir do uso das tecnologias de informação e comunicação.



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