São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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PERDAS E DANOS

Setor financeiro internacional dá mostras de que pode reduzir ou congelar linhas de empréstimos para o país

Crédito externo para o Brasil começa a secar

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

A ameaça de uma contração violenta do crédito de bancos internacionais paira sobre o setor privado brasileiro.
Atingido pelo recorde de falências nos EUA, pela crise na Argentina e pelas recentes turbulências no Brasil, o setor financeiro internacional mostra sinais de que planeja congelar ou diminuir drasticamente suas linhas de crédito no país com o objetivo de compensar ou evitar perdas.
Poucas instituições financeiras falam abertamente sobre o assunto, apesar de alguns sinais de que as companhias privadas poderão sofrer o que os economistas chamam de "credit crunch".
O FleetBoston, uma das maiores instituições financeiras norte-americanas, perdeu US$ 521 milhões na Argentina em 2001 e, devido a isso, teve na sexta-feira sua classificação rebaixada pela agência de risco Fitch.
O banco informou, num relatório entregue à SEC, que irá "ajustar sua estratégia" para compensar essa perda. Essa mensagem foi entendida pelos mercados como sinal de que a instituição reduziria sua exposição ou até encerraria suas operações, não só na Argentina como em toda a região.
Embora tenha negado essa hipótese, o presidente do banco, Jorge Ramirez, reconheceu que a instituição não fará novos investimentos na América Latina.
"Existem indícios concretos de que os bancos podem reduzir sua exposição ao Brasil em até 50%", disse Walter Molano, analista-chefe da corretora BCP.
Greg Heywood, gestor de investimentos do Montgomery Assets, um grande fundo norte-americano detentor de ações de companhias brasileiras, teme e considera plausível essa hipótese. "O Brasil é um país que precisa de capital e de linhas de crédito abertas", disse ele à Folha.
"O Brasil certamente está sendo afetado pela aversão dos bancos privados ao risco", disse Tom Trebat, analista-chefe para a América Latina do Salomon Smith Barney. "Esse é um fator adicional de preocupação."
O risco de um "credit crunch" assusta as empresas privadas brasileiras porque, se ocorrer uma contração violenta dos créditos, desapareceria a capacidade do setor privado do país de rolar suas dívidas -e o endividamento do setor privado foi o que mais cresceu nos últimos anos.
Em abril passado o FMI alertou, num relatório, que o setor privado brasileiro pode estar ingressando numa crise de crédito acentuada e prolongada. Estudo dos economistas Adolfo Barajas e Roberto Steiner mostrou que, após crescerem 4,1% no Brasil entre 1992 e 1998, os empréstimos bancários para empresas do país caíram 5% entre 1999 e 2000, depois da mudança do regime cambial.
Segundo eles, o Brasil e o resto da América Latina deverão entrar numa fase difícil. "Experiências anteriores na região sugerem que a redução do crédito deverá ser prolongada. É certamente possível que o atual desaquecimento possa estar sinalizando o início de um longo período de crise do crédito para o setor privado."

Instituições oficiais
Instituições oficiais começam a se preocupar com o impacto da crise financeira da América Latina. Na quinta-feira, o IFC (International Finance Corporation), braço do Banco Mundial que empresta recursos ao setor privado, reconheceu que seus prejuízos na Argentina o obrigarão a uma "ginástica" operacional.
O presidente da instituição, Peter Woicke, disse ter elevado as provisões contra sua exposição na Argentina para 50%. Em tese, o aumento das provisões exigiria um reajustamento interno de recursos e a redução dos empréstimos. No entanto, o IFC informou à Folha que não pretende reduzir sua exposição no Brasil.
Para Richard Fox, diretor da agência de classificação de risco Fitch IBCA, em Londres, a preocupante necessidade de financiamento externo das empresas brasileiras é consequência da alta dívida interna do governo.
"O governo toma muitos recursos no mercado doméstico. Isso acaba forçando os juros para cima e limitando a capacidade das empresa de pegarem empréstimos no próprio país", disse Fox.
Segundo o diretor da Fitch, a restrição de crédito que as empresas brasileiras deverão enfrentar tende a prejudicar ainda mais a recuperação da economia.


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