São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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ARTIGO

Abismo moral de Wall Street não acelera reformas estruturais

GERARD BAKER
DO "FINANCIAL TIMES'

O goldman Sachs é o banco de investimentos que talvez tenha as antenas políticas mais sensíveis de Wall Street. Assim, quando seu principal executivo diz que as corporações dos EUA estão "em uma posição de baixa reputação jamais vista por mim", pode-se ter certeza de que as companhias norte-americanas estão se preparando para uma temporada de crise.
No entanto, a despeito do alerta feito na última semana pelo executivo Henry "Hank" Paulson, talvez a coisa mais estranha sobre a onda de escândalos financeiros, contábeis e pessoais que se abateu sobre Wall Street nos últimos seis meses é o silêncio político.
Os "barões ladrões" e os colossos financeiros do final do século 19 causaram a ascensão de políticos populistas, como William Jennings Bryan, e a aprovação da Lei Sherman de combate aos trustes. A Era Dourada e o desbotamento generalizado em que se encerrou nos legaram as reformas financeiras dos anos 30, entre as quais o estabelecimento da Securities and Exchange Commission (SEC, agência federal que regulamenta o mercado acionário).
A atual série de escândalos começou com o colapso da empresa energética Enron, no ano passado. Depois veio o processo judicial contra a Arthur Andersen, investigações sobre outras empresas por irregularidades contábeis, alegações de conexões impróprias entre bancos de investimentos e as empresas que ajudam a financiar, um crescendo que culminou, na última semana, com o processo criminal aberto contra Dennis Kozlowski, ex-presidente da Tyco, por suposta sonegação de impostos.
A situação estimulou certa dose de atividade em Washington. Propostas de reforma vêm sendo discutidas, lentamente, no labirinto de comitês do Congresso. Mas, por enquanto, parece haver pouca perspectiva real de que projetos sérios de reforma sejam aprovados. As únicas leis que a Câmara votou caminham cuidadosamente para não ferir os interesses das empresas no campo da contabilidade e das pensões.
O poder das contribuições para campanhas políticas é evidentemente parte da explicação para essa falta de ação. Os lobbies agiram para esmagar propostas sérias de reforma das regras contábeis, da regulamentação dos bancos de investimento e da governança corporativa em geral.

Cadê a indignação?
Mas a política do dinheiro por si não basta para explicar o silêncio dos sonolentos cães de guarda de Washington. Se a questão ganhar ímpeto, talvez até mesmo os congressistas mais famintos por verbas não possam ignorá-la. O ponto, como disse, em outro contexto, Bob Dole, o candidato republicano à Presidência em 1996, é: "Onde está a indignação?".
As pesquisas de opinião listam os delitos das grandes empresas em uma posição baixa entre as preocupações do público. Nenhum dos potenciais candidatos à Presidência em 2004 fez desse problema uma plataforma importante. A questão mal surgiu nas campanhas que já estão em curso para a eleição legislativa de novembro. Isso é curioso, dado o estrago que a crise vem causando ao patrimônio norte-americano.
O medo de que surjam novas más notícias causou uma queda nos mercados financeiros. A despeito de mais notícias positivas sobre a economia, o índice industrial Dow Jones sofreu nova queda na sexta-feira, chegando ao seu ponto mais baixo desde setembro do ano passado.
A guerra evidentemente é o motivo principal para a ausência de indignação popular. O imperativo de união nacional parece ter atenuado o apetite por ações radicais, e os eleitores talvez se contentem com processos conduzidos sob as leis existentes, em lugar de exigirem uma mudança radical na estrutura jurídica.
Um segundo fator que explica o relativo silêncio é o estado da economia nacional. Se bem que o vigor de uma possível recuperação sustentada ainda não esteja claro, não houve uma depressão ou uma recessão como a que afligiu o país no começo dos anos 90.
Ainda que a debilidade do mercado de ações venha prejudicando o patrimônio dos norte-americanos, a perda foi compensada, com folga, pela alta no valor das residências. E, embora o desemprego tenha subido dos 3,9% da força de trabalho dois anos atrás para 5,8% agora, a renda média continua a crescer.
Pode haver outro fator. Escândalos se tornaram comuns na vida pública dos EUA durante os últimos dez anos. Os oito anos de atribulada Presidência de Bill Clinton e a tentativa de impeachment não mobilizaram muito os eleitores, eles pareciam bastante entediados, apesar da obsessão da imprensa com os potenciais delitos pessoais ou financeiros dos líderes do país. Talvez também tenha caído a expectativa do público quanto ao comportamento dos líderes nacionais.
Evidentemente, mesmo em dias de guerra, prosperidade e cinismo, como os em que vivemos, continua a haver limites para o que o público se dispõe a tolerar. Se Paulson está certo, os EUA podem estar perto de atingi-los.


Tradução de Paulo Migliacci


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