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LUÍS NASSIF
A estratégia e
a planilha
Na semana passada o economista David Kupfer escreveu no "Valor" um artigo irretocavelmente simples sobre a
política monetária. Mandei-lhe
um e-mail parabenizando-o.
Ele respondeu dizendo-se surpreso com a repercussão, porque
achou que tinha escrito apenas
o óbvio.
A discussão econômica brasileira perdeu a referência do óbvio. Hoje em dia, a parte mais
consistente do pensamento econômico brasileiro está sendo desenvolvida no Instituto de Economia da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro), ao
qual pertence David. Não se trata de nenhuma teoria nova, de
nenhuma formulação revolucionária. Seus economistas estão simplesmente repondo nos
eixos princípios econômicos básicos de economia, o óbvio.
Por mais sofisticadas que sejam as teorias, elas visam, no
fundo, descobrir novas maneiras de relacionar variáveis, quase todas tão antigas como o
mercado. Esse entendimento
das co-relações não é tarefa trivial.
Os grandes analistas trabalham com grandes números,
não com o detalhe do detalhe do
detalhe. Seu trabalho é criativo.
Depende de conhecimento amplo e diversificado sobre teoria
econômica, mercado, política,
economia real, noção de proporção. Depois que ele enxerga a estratégia ou o diagnóstico correto, é que vem o economista e faz
seus cálculos.
O mercado -esperto como ele
só- já identificou claramente
as diferenças desses dois tipos de
profissionais: o estrategista e o
economista. Não peça para o estrategista dissecar as partes do
Orçamento. Esse trabalho braçal-intelectual é do economista.
Seu trabalho é pensar o todo.
Os que dominam esse ferramental analítico pensam claro e
escrevem claro. E isso é fatal,
nessa terra de bacharéis: se é
simples assim, por que só você
percebeu? Os interlocutores não
sabem que, por trás daquele
modelo, das co-relações estabelecidas, há uma variedade enorme de variáveis e uma quantidade infinita de combinações,
sobre as quais o estrategista
exerceu uma faculdade de difícil
domínio: o julgamento, o discernimento. Depois que se definem
as variáveis essenciais, e se estabelecem as co-relações certas, está se extraindo o sumo do conhecimento econômico.
O que ocorreu nos últimos
anos foi uma epidemia do matematismo, daquilo que o empresário Paulo Cunha chama de
"mediocridade detalhista", do
sujeito capaz de ir ao centro do
detalhe e não dispor de nenhum
discernimento para analisar o
todo.
A banalização da discussão
econômica, dessa chamada visão financista da cobertura, decorre disso, de um simulacro de
teoria econômica sem pé nem
cabeça, em que se define primeiro a resposta para depois se buscar a explicação.
David Kupfer escreve claro.
Delfim Netto escreve claro, assim como Yoshiaki Nakano,
João Sayad, a turma da UFRJ,
Dionísio Dias Carneiro. Nos
seus escritos, as co-relações estão
claramente explicitadas. Se você
não entender as co-relações levantadas por economistas que
escrevem hermeticamente, fique
sossegado: possivelmente não
existem ou são falsas.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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