São Paulo, sexta-feira, 09 de junho de 2006

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Para o bem e para o mal

"É a economia, estúpido", expressão que fez tanto sucesso nos EUA, passou a explicar empolgação de ricos e pobres com o governo Lula

O LEITOR desta coluna deve se lembrar da reação da esquerda, petista ou não, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pediu a todos que esquecessem o que ele tinha escrito no passado. Referia-se às criticas que faziam a ele em razão de algumas de suas posições no exercício do poder político no Brasil. Principalmente na definição dos novos rumos na gestão da economia que seu governo começava a implantar com muita clareza. Durante os oito anos de FHC, mas principalmente durante a campanha eleitoral de 2002, Lula e seus correligionários desancaram esse modelo econômico, que denominavam de neoliberal. Mas a crise criada nos mercados financeiros pelo medo de um PT coerente com seus valores históricos no poder fez Lula e seu partido mudarem de posição. Pelas mãos de Palocci fizeram um acordo de convivência com o Brasil econômico e mantiveram inalterados os marcos da política de seu tão criticado antecessor. Como é o padrão petista de se relacionar com a opinião pública -hoje o conhecemos muito bem-, mantiveram o discurso crítico a FHC com a mão esquerda enquanto geriam a economia com a mão direita de Palocci. Para o público interno, a explicação era que se tratava de um movimento tático para lidar com o nervosismo dos mercados financeiros. Uma vez acalmados os ânimos, o governo retomaria os compromissos do 12º Encontro Nacional do PT realizado em Recife em 16 de dezembro de 2001 -que definiu com clareza uma ruptura com o passado burguês e neoliberal dos tucanos. Mas a vida, que é muito divertida, sempre preparada para aprontar armadilhas para quem dela participa como ator, tinha outros planos para Lula. Em 2003, primeiro ano de seu mandato, iniciou-se um vigoroso ciclo de crescimento no mundo. Estimulado inicialmente pelo vigor da economia chinesa, teve seu ponto mais forte na recuperação da economia americana em função da política de juros baixíssimos aplicada pelo Federal Reserve. Na esteira desse ciclo, países como o Brasil viram os preços de seus principais produtos de exportação aumentarem de forma quase explosiva. Os dólares obtidos com as exportações mudaram a cor de suas contas correntes externas -de um vermelho de sangue para um azul de céu de brigadeiro. Com a segurança trazida por esse novo vigor nas contas externas das chamadas nações emergentes, os investidores financeiros passaram a destinar centenas de bilhões de dólares para esses países. Um clima de quase euforia tomou conta de todos e as dificuldades estruturais do passado passaram a ser vistas como pequenas rugas nas faces avermelhadas de vigor de economias como a brasileira. Embalados por esse otimismo e pelo crescimento econômico puxado pela extraordinária expansão da economia mundial, os novos dirigentes em Brasília esqueceram suas críticas e suas propostas de ruptura com o passado e navegaram com as velas infladas pelos ventos favoráveis da economia mundial. Tudo dava certo, novos gênios econômicos apareceram e nosso presidente, agarrado ao balão de nossa moeda forte, virou quase um deus para os mais pobres. Nesse cenário róseo, nem as falcatruas descobertas, nem as promessas esquecidas sem a menor vergonha, nem o festival de gastos públicos sem critérios racionais e as instituições em frangalhos tiram o brilho de nosso presidente falastrão. A expressão que tanto sucesso fez nos Estados Unidos -"é a economia, estúpido"- passou a ser citada para explicar essa empolgação de ricos e pobres com o governo Lula. Mas a grande maioria não percebeu que tudo isso acontecia enquanto o ciclo econômico no mundo amadurecia e a hora de seu fim se aproximava. Não tenho dúvida de que o tempo da euforia sem sentido ficou para trás. Vivemos hoje as angústias e as incertezas de como será a fase de acomodação do ciclo que termina: suave ou aos trancos e barrancos, como se dizia antigamente na Pouso Alegre da minha juventude. A resposta a essa pergunta está nas mãos do Federal Reserve, hoje dividido entre pombas e falcões e sem a credibilidade de Greenspan. Mas não conte isso ao nosso presidente, pois vai estragar sua vã felicidade.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações (governo FHC).
@ - lcmb2@terra.com.br


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