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LUÍS NASSIF
Um modelo de negócio
O que determinou a política cambial do Real foi um modelo de negócio, dos mais bem-sucedidos da história
Há cerca de dois ou três anos,
escrevi um conjunto de colunas que expunha a extraordinária semelhança entre o período atual -que se seguiu ao final
do acordo de Breton Woods- e
aquele que vai de meados do século
19 até a Primeira Guerra Mundial.
As análises centravam-se mais em
como quadros internacionais similares levaram a dois modelos semelhantes de desastres internos, queimando as duas maiores janelas de
oportunidade que o país experimentou ao longo de sua história. Uma, o
período conhecido como o Encilhamento (o movimento especulativo
que ganhou impulso com as políticas de remonetização da economia
promovidas por Rui Barbosa); outra, o pós-Plano Real, o período que
se seguiu, de definição das regras de
remonetização (emissão de moeda)
da economia.
Em ambos os momentos, o mundo surfava em excesso de liquidez e a
economia brasileira ansiava por remonetização. No Encilhamento, devido à imigração e à mudança nas relações do campo; no Real, devido à
troca de moedas.
Rui Barbosa privilegiou alguns
bancos com o direito de emissão facilitado, tornou-se sócio deles e permitiu que as emissões fossem dirigidas para um jogo especulativo desenfreado nas Bolsas de Valores. O
modelo quebrou por várias razões,
uma delas a crise cambial que se sucedeu à quebra do Banco Barings, na
Argentina.
O Real repetiu com variações o
modelo adotado por Rui Barbosa. A
remonetização deu-se por meio da
atração de capitais externos pelos
novos bancos de investimento -no
fundo, dinheiro brasileiro depositado no exterior, em paraísos fiscais-,
que os convertia em reais.
Os economistas do Real poderiam
ter escolhido outros caminhos para
remonetizar a economia. Um deles
seria simplesmente não rolar integralmente a dívida pública. Em vez
de títulos, o investidor receberia
reais. A divida seria monetizada, e o
mercado teria que se organizar para
reciclar os recursos.
Na época, havia propostas de fazer
privatização com investimentos internos por meio de encontro de contas com os chamados fundos sociais.
Com esse modelo, os passivos públicos praticamente seriam saneados,
o mercado de capitais teria enorme
impulso, parte preponderante da
poupança nacional iria capitalizar
os novos investimentos em infra-estrutura e produção de bens de consumo.
Optou-se por um modelo calcado
nos fluxos internacionais de dólar.
Chegou-se ao cúmulo de transformar o superávit das contas externas
brasileiras em déficit, apenas para
tornar o dólar um ativo escasso -e,
com isso, caro. Depois, com déficits
externos cada vez maiores, o país foi
proibido de crescer.
O ajuste do câmbio no Real foi dificultado por sucessivas crises de liquidez internacionais, da mesma
natureza da crise do Barings, nos
anos 1890 -que, em seu livro sobre
o Encilhamento, Gustavo Franco
garantia que seria contida por um
Banco Central forte. Agora, começam a sair no exterior livros comparando as semelhanças da América
Latina nos dois momentos, sofrendo as mesmas crises de liquidez do
modelo. Tudo isso era conhecido
por alguns dos autores do pós-Real.
Por isso, repito: o que determinou a
política cambial do Real foi um modelo de negócio, dos mais bem-sucedidos da história do país.
Blog: www.luisnassif.com.br
@ - Luisnassif@uol.com.br
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