São Paulo, sexta-feira, 09 de junho de 2006

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LUÍS NASSIF

Um modelo de negócio

O que determinou a política cambial do Real foi um modelo de negócio, dos mais bem-sucedidos da história

Há cerca de dois ou três anos, escrevi um conjunto de colunas que expunha a extraordinária semelhança entre o período atual -que se seguiu ao final do acordo de Breton Woods- e aquele que vai de meados do século 19 até a Primeira Guerra Mundial.
As análises centravam-se mais em como quadros internacionais similares levaram a dois modelos semelhantes de desastres internos, queimando as duas maiores janelas de oportunidade que o país experimentou ao longo de sua história. Uma, o período conhecido como o Encilhamento (o movimento especulativo que ganhou impulso com as políticas de remonetização da economia promovidas por Rui Barbosa); outra, o pós-Plano Real, o período que se seguiu, de definição das regras de remonetização (emissão de moeda) da economia.
Em ambos os momentos, o mundo surfava em excesso de liquidez e a economia brasileira ansiava por remonetização. No Encilhamento, devido à imigração e à mudança nas relações do campo; no Real, devido à troca de moedas.
Rui Barbosa privilegiou alguns bancos com o direito de emissão facilitado, tornou-se sócio deles e permitiu que as emissões fossem dirigidas para um jogo especulativo desenfreado nas Bolsas de Valores. O modelo quebrou por várias razões, uma delas a crise cambial que se sucedeu à quebra do Banco Barings, na Argentina.
O Real repetiu com variações o modelo adotado por Rui Barbosa. A remonetização deu-se por meio da atração de capitais externos pelos novos bancos de investimento -no fundo, dinheiro brasileiro depositado no exterior, em paraísos fiscais-, que os convertia em reais.
Os economistas do Real poderiam ter escolhido outros caminhos para remonetizar a economia. Um deles seria simplesmente não rolar integralmente a dívida pública. Em vez de títulos, o investidor receberia reais. A divida seria monetizada, e o mercado teria que se organizar para reciclar os recursos.
Na época, havia propostas de fazer privatização com investimentos internos por meio de encontro de contas com os chamados fundos sociais.
Com esse modelo, os passivos públicos praticamente seriam saneados, o mercado de capitais teria enorme impulso, parte preponderante da poupança nacional iria capitalizar os novos investimentos em infra-estrutura e produção de bens de consumo. Optou-se por um modelo calcado nos fluxos internacionais de dólar.
Chegou-se ao cúmulo de transformar o superávit das contas externas brasileiras em déficit, apenas para tornar o dólar um ativo escasso -e, com isso, caro. Depois, com déficits externos cada vez maiores, o país foi proibido de crescer.
O ajuste do câmbio no Real foi dificultado por sucessivas crises de liquidez internacionais, da mesma natureza da crise do Barings, nos anos 1890 -que, em seu livro sobre o Encilhamento, Gustavo Franco garantia que seria contida por um Banco Central forte. Agora, começam a sair no exterior livros comparando as semelhanças da América Latina nos dois momentos, sofrendo as mesmas crises de liquidez do modelo. Tudo isso era conhecido por alguns dos autores do pós-Real.
Por isso, repito: o que determinou a política cambial do Real foi um modelo de negócio, dos mais bem-sucedidos da história do país.


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