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LUÍS NASSIF
Mídia, denuncismo e democracia
Fernando Collor de Mello
tinha duas características
perigosas. Uma, francamente
negativa, a falta de limite com
os esquemas de arrecadação
política. A segunda, muito
mais perigosa, o voluntarismo
extremado. O voluntarismo
ajudou a remover alguns obstáculos à modernização, mas
poderia ter gerado um ditador
não fosse a primeira característica e a credibilidade da mídia,
que permitiu agir como poder
moderador, ajudando a alijá-lo do poder.
Doze anos depois, corre-se o
risco de um presidente tão voluntarista quanto Collor, sem
sua fragilidade moral, e com
dois dos principais fatores de
moderação -mídia e Ministério Público- desmoralizados
pelo abuso do denuncismo por parte dos seus.
Tem-se hoje, em diversos Estados, alguns dos principais
denunciados pela mídia crescendo nas pesquisas, demonstrando a perda de eficácia das denúncias. Mais que isso, o denuncismo misturou alhos
com bugalhos, honestos com ladrões, faltas leves com crimes, condenou inocentes e alforriou suspeitos óbvios pela incompetência de recolher
provas, afetou a imagem das instituições e dos governantes, transformou rumores em denúncias, desmoralizou o processo jurídico e as alianças
políticas. O leitor e telespectador estão completamente desorientados.
Se alguém voluntarista como Collor emergir das eleições, quem vai segurá-lo? A
"Carta Aberta a Luiz Ignácio
Lula da Silva", de autoria de
Eduardo Jorge, merece uma
publicação na íntegra e uma
análise mais aprofundada sobre esse processo. Quando o
próprio PT estimulou a aventura irresponsável da CPI da
Corrupção -uma CPI para
apurar mais de 20 denúncias
genéricas- alertei que esse
processo se voltaria contra o
próprio partido, porque o
monstro que nasceu desse casamento espúrio entre cobertura leviana e procuradores
irresponsáveis ganharia vida
própria, até se desmoralizar
por si.
No momento da catarse, esses alertas são dificultados
por patrulhamento de toda
espécie. Cria-se a catarse, bom
senso é confundido com adesismo, ponderação com rendição, e tenta-se calar os alertas
com patrulhamento. O patrulheiro se sente fortalecido pelo
apoio dos linchadores, goza o
momento de glória, é autor e
intérprete da indignação popular. Depois, quando a imagem da imprensa se esboroa, a
autoria torna-se difusa. Os divulgadores de dossiês falsos,
os estimuladores do denuncismo se retraem, mas aí o mal
está feito. E afeta a imprensa
como um todo.
O mesmo ocorre com o Ministério Público. A cada dia
que passa, mais difícil se torna a vida do procurador que
se dedica com seriedade ao
seu trabalho, porque sua palavra vai perdendo força, e
sua legitimidade vai sendo
questionada devido aos abusos cometidos por meia dúzia
deles.
Quando um procurador comete uma leviandade, denuncia sem provas ou, pior, sem
crimes, afeta o trabalho de todos os seus pares comprometidos com a seriedade e com a discrição e o próprio Poder Judiciário que, tendo de debruçar sobre provas, não acolhe as denúncias propaladas.
A denúncia foi um exercício risonho e franco nos últimos
oito anos, devido ao espírito democrático de Fernando
Henrique Cardoso. Pode-se e deve-se criticá-lo pelos erros de política econômica, jamais
pelo autoritarismo. Com ele, o
Executivo se manteve inteiro
por conta de alianças políticas, não da coerção.
Agora que se vai chegando ao final do governo, e há o risco de um candidato voluntarista no poder, paira no ar a incômoda sensação de que não se tem uma democracia
consolidada, as ferramentas fundamentais de controle do
poder -como a mídia e o MP- estão debilitadas e terão que ser reforçadas, para o
bem da democracia.
Só que esse reforço depende
exclusivamente da retomada
da responsabilidade, do critério, porque sem uma mídia
forte, dependendo de quem
entrar, será difícil manter a
estabilidade democrática.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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