São Paulo, quinta-feira, 09 de julho de 2009

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A emissão de notas pelo FMI


Brasil e Rússia já indicaram que podem comprar até US$ 10 bi em notas; a China prometeu US$ 50 bi


HOJE É feriado em São Paulo. Menos mal. A verdade, leitor, é que estou meio bloqueado. Todos os temas parecem esgotados; todos os assuntos, exaustos. Não surge uma ideia, um lampejo. (E o pior é que a falta de assunto também é um tema esgotado -lamentar essa falta é um recurso comum dos colunistas de jornal).

Ontem à noite, ao reler um ensaio em que Thomas Mann falava do seu fascínio por Wagner, topei com a seguinte frase: "A admiração é o que temos de melhor". Tomando esse mote, o grande escritor alemão desenvolveu toda uma cintilante defesa do papel da admiração na vida do artista e na vida humana em geral. Estou divagando, mas eis o que queria dizer: no momento, não temos quem admirar. Oswaldo Aranha disse certa vez: "O Brasil é um deserto de homens e de ideias". Hoje, poderíamos dizer com igual razão, ou falta de razão: o mundo inteiro é um deserto de homens e de ideias. Refiro-me ao mundo político e econômico. É sobre esse mundo que preciso escrever hoje -e não sobre Wagner ou Mann.

Vejamos. Posso falar do meu trabalho aqui no FMI? Bem sei que o leitor não gosta muito desse tema. Quando trato disso, percebo, pelo número de e-mails, que a audiência da coluna cai vertiginosamente.

Mas, na semana passada, depois de uma reunião de quatro horas da diretoria, tomamos uma decisão importante: fechamos o modelo para a emissão de bônus ou notas pelo Fundo. A reunião final foi antecedida de diversas outras em que os compradores potenciais dessas notas expressaram suas reivindicações à administração e ao corpo técnico do Fundo. O Brasil e a Rússia já indicaram que podem comprar até US$ 10 bilhões em notas; a China prometeu US$ 50 bilhões.

No final, o resultado das discussões foi bastante próximo do que o Brasil queria. Primeiro, as notas poderão ser contabilizadas como parte das reservas internacionais do país. Até um limite de 15 bilhões de direitos especiais de saque (DES), elas terão liquidez plena. Se experimentar dificuldades cambiais, o país detentor das notas terá o direito de obter a devolução imediata dos recursos.

Em outras palavras, até o limite indicado (bem superior ao que o Brasil pretende aplicar), a compra das notas do FMI será um meio de diversificação das reservas. O país poderá, por exemplo, substituir títulos do Tesouro dos EUA, denominados em dólares, por títulos do FMI, denominados em DES. Segundo, o prazo das notas será relativamente curto. O país que se dispuser a comprá-las deverá assinar um "acordo de compra de notas". Esse acordo terá duração inicial de um ano, prorrogável por um ano mediante consulta ao país. Depois do segundo ano, o acordo de compra de notas só poderá ser prorrogado com a concordância do país credor, até o máximo de cinco anos. Se o FMI precisar de recursos, poderá acionar os acordos e emitir notas. As notas emitidas terão os mesmos prazos dos empréstimos do Fundo (carência de três anos e um trimestre e cinco anos de prazo total). O caráter temporário do acordo de compra de notas era essencial para o Brasil e outros países. As notas e outras modalidades de empréstimo ao Fundo não devem ser vistas como mecanismos permanentes, que possam solapar a próxima revisão geral de cotas a ser concluída até janeiro de 2011. Essa revisão é que permitirá dar a países como China, Índia e Brasil um peso decisório no FMI compatível com o seu peso na economia mundial.

Espero que o leitor tenha chegado até aqui.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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