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ENTREVISTA DA 2ª
TIM GROSER
Negociador da organização prevê agora tom mais técnico nas discussões sobre liberalização comercial
Brasil foi fundamental para destravar agricultura, diz OMC
CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL
Superada a tensão política que
travava as discussões agrícolas na
OMC (Organização Mundial do
Comércio), os 147 países-membros da entidade terão margem
de manobra para avançar na liberalização comercial.
A partir de agora, o tom "passional" e "político" que dominava
as negociações será substituído
por uma dinâmica mais "técnica". Pelo menos é o que espera
Tim Groser, presidente do comitê
de agricultura da OMC.
De acordo com o diplomata
neozelandês, que assumiu o posto
no começo deste ano, o consenso
obtido pelos 147 países participantes da organização na semana
retrasada foi decisivo para destravar as negociações que levarão à
conclusão da Rodada Doha, prevista para o final de 2005.
Ficou acordado, entre outras
medidas, que serão eliminados os
subsídios à exportação e que serão mais bem disciplinados os
créditos e outros mecanismos de
suporte às vendas externas.
Sobre o Brasil, o negociador é só
elogios e credita à diplomacia do
país a aprovação por consenso do
"framework" [moldura das negociações] na semana retrasada. "A
formação do G20 pelo Brasil,
francamente, foi uma obra-prima
da diplomacia", afirmou.
A seguir, a entrevista de Groser
concedida por telefone à Folha.
Folha - Como o sr. avalia o acordo
alcançado pela OMC?
Tim Groser - Acredito que o acordo que nós conseguimos seja excelente. Claro que não é um acordo completo. É meramente um
importante passo para alcançarmos um acordo completo, mas
nos dá uma diretriz precisa numa
questão que é de grande interesse
para o Brasil e para outros países
em desenvolvimento: a eliminação dos subsídios à exportação.
Isso é algo que o Brasil já tenta
conseguir há décadas. O acordo
do dia 31 de julho também nos
deu uma perspectiva de reduções
substanciais de outros subsídios
que distorcem o comércio. Há
dois tipos de subsídio: aqueles para a exportação, que são pagos
apenas na hora da exportação, e
aqueles ligados à produção, que
são pagos quando se produz algo.
Os subsídios à exportação serão
eliminados e os subsídios à produção serão bastante reduzidos.
Folha - Mas a área de acesso a
mercados, que trata da redução de
tarifas e do estabelecimento de cotas, permanece bastante vaga...
Groser - A questão de acesso a
mercados de fato ainda está muito menos clara, mas acho que,
com a clareza que se criou na
questão dos subsídios, no futuro
poderemos ter uma grande negociação sobre a questão.
Folha - Quais foram as maiores dificuldades para o estabelecimento
do "framework" [moldura das negociações]?
Groser - Foram muitas. Houve
uma grande dificuldade em conseguir um consenso para a eliminação dos subsídios à exportação.
Houve também uma grande dificuldade -na qual o Brasil foi um
ator decisivo para solucioná-la-
em determinar o que deve integrar a "caixa azul" [trata de pagamentos diretos ligados a programas de limitação da produção,
que são isentos de compromissos
multilaterais]. Isso foi um assunto
de extrema importância para o
Brasil, mas também para a União
Européia e para os EUA. Esses foram os grandes temas que causaram mais dificuldade para a obtenção de um consenso. Mas houve ainda um número de dificuldades específicas com as quais os
países tiveram que lidar. Países
africanos tinham uma visão bastante peculiar sobre algodão e
queriam que o tema fosse tratado
num capítulo separado no texto
apresentado na semana passada
[retrasada]. O Brasil sempre disse
que o foro ideal para lidar com a
questão era dentro das negociações agrícolas gerais. No fim, prevaleceu a visão brasileira, mas até
resolvermos esse ponto houve
muitas discussões. Outro tema
polêmico, mas um pouco menor,
foram as preocupações de grupo
de pequenos países em desenvolvimento. Eles temiam ver a erosão
de suas preferências comerciais.
Esse temor, que é legítimo, também teve de ser levado em consideração no documento preparado pelos países-membros da
OMC.
Folha - Qual o prognóstico para o
estabelecimento de
uma data para a eliminação total dos
subsídios às exportações?
Groser - Temos,
primeiro, que completar as negociações [da Rodada
Doha]. Nada está
definido até tudo
estar definido. O
cronograma para a
eliminação dos subsídios à exportação
só começará quando todas as negociações tiverem terminado. E falo não
apenas das negociações agrícolas, mas
também daquelas
sobre tarifas industriais, serviços, antidumping. Tudo isso tem de ser
definido antes de acertamos o começo do cronograma para a erradicação dos subsídios à exportação. Quantos anos serão necessários para que isso aconteça? Isso
ainda terá de ser negociado. Honestamente, não tenho como prever quando isso ocorrerá.
Folha - Com o resultado do documento, a conclusão da Rodada Doha em 2005 torna-se mais possível?
Groser - Com certeza. Estou
muito mais otimista com a possibilidade de chegarmos a um resultado final. Não era possível
chegar a um acordo definitivo de
uma só vez, com
um só documento,
com um só acordo.
Na verdade, as negociações internacionais com essa
complexidade são
feitas passo a passo.
Agora que conseguimos esse acordo
histórico, estou
muito mais otimista com relação ao
cumprimento desse prazo.
Folha - Qual a sua
avaliação da participação do NG5 [grupo dos cinco países
mais influentes em
negociações agrícolas] e do G20 [grupo
de países em desenvolvimento] nesse
processo?
Groser - Foi crucial. A formação
do G20 pelo Brasil, francamente,
foi uma obra-prima da diplomacia. Já havia manifestado essa opinião durante a reunião de Cancún
[local do encontro da OMC, em
2003, no México]. O grupo conseguiu reunir os países em desenvolvimento mais importantes,
promovendo um contraponto
aos EUA e à UE. A atuação dos
dois líderes do G20 -Índia e Brasil- foi determinante para o sucesso alcançado até agora.
Folha - A questão da criação da
lista de produtos "sensíveis" pelos
países desenvolvidos e também pelos
países em desenvolvimento não pode
impedir uma liberalização comercial
importante?
Groser - Certamente esse vai ser o
assunto mais difícil
de resolver nas negociações. Entendo
que essa lista preocupe agricultores e
empresas do agronegócio no Brasil.
Mas é importante
ter em mente que o
texto não diz que os
produtos "sensíveis" que farão parte dessa lista estarão
excluídos da rodada de liberalização
comercial. O texto enfatiza a necessidade de um avanço substancial em acesso a mercados. Isso
será atingido em todos os produtos. O termo "sensível" não significa "excluído das negociações".
Esses produtos terão um grau de
liberalização menos radical, mas,
seguramente, participarão da rodada de negociações.
Folha - Agora que já houve o estabelecimento das diretrizes da liberalização comercial, quais são os
próximos passos?
Groser - Quero, a partir de agora,
tirar a ênfase da discussão política
dessas negociações. Nós vivemos
momentos de grande drama com o envolvimento de altos
líderes políticos nas
negociações e, agora, é a hora de termos discussões técnicas. Meu objetivo
é tornar essa etapa
atual menos passional e mais prática.
Temos agora um
programa de trabalho claro com o
qual podemos lidar. Tenho certeza
de que teremos
uma atmosfera
mais calma e mais
construtiva agora.
Estou conversando
com vários colegas,
inclusive os do G20,
e espero um grande
consenso de todas as partes envolvidas sobre a necessidade de
adotarmos critérios técnicos de
negociação e menos políticos.
Folha - O processo das negociações a partir de agora ficará concentrado em reuniões técnicas menores?
Groser - Temos de preparar a base técnica para várias questões
abordadas no documento. Não é
possível fazer o trabalho técnico
quando há um total bloqueio político, porque questões políticas e
técnicas são muito atreladas. Mas
agora temos decisões políticas
concretas. Não acredito que seja
irrealista dizer que teremos muitos avanços nas discussões técnicas nos próximos meses. Devemos começar em meados de setembro.
Folha - A eleição presidencial nos
Estados Unidos e a mudança no comando de negociações da UE, que
ocorrem ainda neste ano, podem
atrapalhar?
Groser - Não acredito que a eleição americana atrapalhe isso,
porque, pelos próximos meses,
não teremos nenhuma decisão
política difícil. Na área de acesso a
mercados, especialmente na
questão de produtos "sensíveis",
pode haver alguma dificuldade
em avançar porque ainda não há
clareza. Mas em muitas áreas dessa negociação podemos ter grandes avanços técnicos.
Folha - Ainda sobre o futuro das
negociações, como as decisões dos
painéis do açúcar e do algodão poderão influenciar o resultado final?
Groser - Não posso comentar sobre resultados que ainda são preliminares. Enquanto presidente
do comitê de negociações agrícolas, não posso emitir opinião sobre resultados que ainda não são
finais. Mas, naturalmente, esses
resultados exercerão alguma influência nas negociações futuras.
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