São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2004

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ENTREVISTA DA 2ª

TIM GROSER

Negociador da organização prevê agora tom mais técnico nas discussões sobre liberalização comercial

Brasil foi fundamental para destravar agricultura, diz OMC

CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Superada a tensão política que travava as discussões agrícolas na OMC (Organização Mundial do Comércio), os 147 países-membros da entidade terão margem de manobra para avançar na liberalização comercial.
A partir de agora, o tom "passional" e "político" que dominava as negociações será substituído por uma dinâmica mais "técnica". Pelo menos é o que espera Tim Groser, presidente do comitê de agricultura da OMC.
De acordo com o diplomata neozelandês, que assumiu o posto no começo deste ano, o consenso obtido pelos 147 países participantes da organização na semana retrasada foi decisivo para destravar as negociações que levarão à conclusão da Rodada Doha, prevista para o final de 2005.
Ficou acordado, entre outras medidas, que serão eliminados os subsídios à exportação e que serão mais bem disciplinados os créditos e outros mecanismos de suporte às vendas externas.
Sobre o Brasil, o negociador é só elogios e credita à diplomacia do país a aprovação por consenso do "framework" [moldura das negociações] na semana retrasada. "A formação do G20 pelo Brasil, francamente, foi uma obra-prima da diplomacia", afirmou.
A seguir, a entrevista de Groser concedida por telefone à Folha.

Folha - Como o sr. avalia o acordo alcançado pela OMC?
Tim Groser -
Acredito que o acordo que nós conseguimos seja excelente. Claro que não é um acordo completo. É meramente um importante passo para alcançarmos um acordo completo, mas nos dá uma diretriz precisa numa questão que é de grande interesse para o Brasil e para outros países em desenvolvimento: a eliminação dos subsídios à exportação. Isso é algo que o Brasil já tenta conseguir há décadas. O acordo do dia 31 de julho também nos deu uma perspectiva de reduções substanciais de outros subsídios que distorcem o comércio. Há dois tipos de subsídio: aqueles para a exportação, que são pagos apenas na hora da exportação, e aqueles ligados à produção, que são pagos quando se produz algo. Os subsídios à exportação serão eliminados e os subsídios à produção serão bastante reduzidos.

Folha - Mas a área de acesso a mercados, que trata da redução de tarifas e do estabelecimento de cotas, permanece bastante vaga...
Groser -
A questão de acesso a mercados de fato ainda está muito menos clara, mas acho que, com a clareza que se criou na questão dos subsídios, no futuro poderemos ter uma grande negociação sobre a questão.

Folha - Quais foram as maiores dificuldades para o estabelecimento do "framework" [moldura das negociações]?
Groser -
Foram muitas. Houve uma grande dificuldade em conseguir um consenso para a eliminação dos subsídios à exportação. Houve também uma grande dificuldade -na qual o Brasil foi um ator decisivo para solucioná-la- em determinar o que deve integrar a "caixa azul" [trata de pagamentos diretos ligados a programas de limitação da produção, que são isentos de compromissos multilaterais]. Isso foi um assunto de extrema importância para o Brasil, mas também para a União Européia e para os EUA. Esses foram os grandes temas que causaram mais dificuldade para a obtenção de um consenso. Mas houve ainda um número de dificuldades específicas com as quais os países tiveram que lidar. Países africanos tinham uma visão bastante peculiar sobre algodão e queriam que o tema fosse tratado num capítulo separado no texto apresentado na semana passada [retrasada]. O Brasil sempre disse que o foro ideal para lidar com a questão era dentro das negociações agrícolas gerais. No fim, prevaleceu a visão brasileira, mas até resolvermos esse ponto houve muitas discussões. Outro tema polêmico, mas um pouco menor, foram as preocupações de grupo de pequenos países em desenvolvimento. Eles temiam ver a erosão de suas preferências comerciais. Esse temor, que é legítimo, também teve de ser levado em consideração no documento preparado pelos países-membros da OMC.

Folha - Qual o prognóstico para o estabelecimento de uma data para a eliminação total dos subsídios às exportações?
Groser -
Temos, primeiro, que completar as negociações [da Rodada Doha]. Nada está definido até tudo estar definido. O cronograma para a eliminação dos subsídios à exportação só começará quando todas as negociações tiverem terminado. E falo não apenas das negociações agrícolas, mas também daquelas sobre tarifas industriais, serviços, antidumping. Tudo isso tem de ser definido antes de acertamos o começo do cronograma para a erradicação dos subsídios à exportação. Quantos anos serão necessários para que isso aconteça? Isso ainda terá de ser negociado. Honestamente, não tenho como prever quando isso ocorrerá.

Folha - Com o resultado do documento, a conclusão da Rodada Doha em 2005 torna-se mais possível?
Groser -
Com certeza. Estou muito mais otimista com a possibilidade de chegarmos a um resultado final. Não era possível chegar a um acordo definitivo de uma só vez, com um só documento, com um só acordo. Na verdade, as negociações internacionais com essa complexidade são feitas passo a passo. Agora que conseguimos esse acordo histórico, estou muito mais otimista com relação ao cumprimento desse prazo.

Folha - Qual a sua avaliação da participação do NG5 [grupo dos cinco países mais influentes em negociações agrícolas] e do G20 [grupo de países em desenvolvimento] nesse processo?
Groser -
Foi crucial. A formação do G20 pelo Brasil, francamente, foi uma obra-prima da diplomacia. Já havia manifestado essa opinião durante a reunião de Cancún [local do encontro da OMC, em 2003, no México]. O grupo conseguiu reunir os países em desenvolvimento mais importantes, promovendo um contraponto aos EUA e à UE. A atuação dos dois líderes do G20 -Índia e Brasil- foi determinante para o sucesso alcançado até agora.

Folha - A questão da criação da lista de produtos "sensíveis" pelos países desenvolvidos e também pelos países em desenvolvimento não pode impedir uma liberalização comercial importante?
Groser -
Certamente esse vai ser o assunto mais difícil de resolver nas negociações. Entendo que essa lista preocupe agricultores e empresas do agronegócio no Brasil. Mas é importante ter em mente que o texto não diz que os produtos "sensíveis" que farão parte dessa lista estarão excluídos da rodada de liberalização comercial. O texto enfatiza a necessidade de um avanço substancial em acesso a mercados. Isso será atingido em todos os produtos. O termo "sensível" não significa "excluído das negociações". Esses produtos terão um grau de liberalização menos radical, mas, seguramente, participarão da rodada de negociações.

Folha - Agora que já houve o estabelecimento das diretrizes da liberalização comercial, quais são os próximos passos?
Groser -
Quero, a partir de agora, tirar a ênfase da discussão política dessas negociações. Nós vivemos momentos de grande drama com o envolvimento de altos líderes políticos nas negociações e, agora, é a hora de termos discussões técnicas. Meu objetivo é tornar essa etapa atual menos passional e mais prática. Temos agora um programa de trabalho claro com o qual podemos lidar. Tenho certeza de que teremos uma atmosfera mais calma e mais construtiva agora. Estou conversando com vários colegas, inclusive os do G20, e espero um grande consenso de todas as partes envolvidas sobre a necessidade de adotarmos critérios técnicos de negociação e menos políticos.

Folha - O processo das negociações a partir de agora ficará concentrado em reuniões técnicas menores?
Groser -
Temos de preparar a base técnica para várias questões abordadas no documento. Não é possível fazer o trabalho técnico quando há um total bloqueio político, porque questões políticas e técnicas são muito atreladas. Mas agora temos decisões políticas concretas. Não acredito que seja irrealista dizer que teremos muitos avanços nas discussões técnicas nos próximos meses. Devemos começar em meados de setembro.

Folha - A eleição presidencial nos Estados Unidos e a mudança no comando de negociações da UE, que ocorrem ainda neste ano, podem atrapalhar?
Groser -
Não acredito que a eleição americana atrapalhe isso, porque, pelos próximos meses, não teremos nenhuma decisão política difícil. Na área de acesso a mercados, especialmente na questão de produtos "sensíveis", pode haver alguma dificuldade em avançar porque ainda não há clareza. Mas em muitas áreas dessa negociação podemos ter grandes avanços técnicos.

Folha - Ainda sobre o futuro das negociações, como as decisões dos painéis do açúcar e do algodão poderão influenciar o resultado final?
Groser -
Não posso comentar sobre resultados que ainda são preliminares. Enquanto presidente do comitê de negociações agrícolas, não posso emitir opinião sobre resultados que ainda não são finais. Mas, naturalmente, esses resultados exercerão alguma influência nas negociações futuras.


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