São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Felicidade


Políticas defensivas, como os juros altos e a contração do investimento, podem desviar o país da rota da felicidade

DARRIN M. McMahon, no livro "Felicidade, uma História", observa que a visão antiga da felicidade estava associada à sorte e ao destino. Esse ideal fatalista inspirou, por exemplo, a poesia épica de Homero, para quem só os deuses poderiam ser bem-aventurados e os seres humanos seriam essencialmente tristes e agonizantes. A mesma perspectiva compõe histórias da mitologia grega e do Egito antigo.
Séculos depois, William Shakespeare também expôs a fatalidade dos acontecimentos. Podia-se, no máximo, torcer pela felicidade, sem escapar do fato de que acontecerá o que tiver de acontecer.
No Iluminismo do século 18, começou a prevalecer a idéia de que o ser humano tem direito à busca da felicidade. No século 20, essa idéia foi ainda mais longe e passou a imperar o juízo de que a felicidade, mais do que um direito, é uma obrigação do ser humano.
Nos dias atuais, a obrigação virou quase obsessão, a ponto de se tentar medir o índice de felicidade dos países. Uma pesquisa divulgada pela Fundação Getulio Vargas, feita em 132 países com base em dados do Gallup World Pool, mostrou que o índice de felicidade do brasileiro é maior do que a sua renda permitiria.
Os brasileiros estão em 22º lugar entre os mais felizes, embora apenas em 52º lugar entre os mais ricos (renda per capita).
A filosofia popular diz que o dinheiro não traz felicidade. De fato, esse resultado indica que, a despeito dos problemas e da baixa renda, os brasileiros são mais felizes do que outros povos com maior nível de riqueza. Isso só pode se explicar em razão das expectativas atuais do brasileiro. A própria pesquisa traz luz para corroborar essa explicação, ao revelar que o Brasil é o primeiro colocado no ranking de 132 países quando se trata da felicidade futura (próximos cinco anos).
Em plena Semana da Pátria, essa pesquisa desvendou uma transformação importante. Poucos anos atrás, a maioria dos brasileiros era totalmente descrente a respeito do futuro do país. Agora, não. Entre a população jovem, de 15 a 29 anos, o Brasil é o primeiro colocado em matéria de expectativa de felicidade, com nota de 9,29 numa escala de 1 a 10. Quem diria! Na década passada, cunhou-se um slogan com a idéia de que o melhor caminho para a felicidade do jovem brasileiro era o do aeroporto.
Por que se deu essa reviravolta? A resposta tem muito a ver com a auto-estima. O crescimento econômico dos últimos anos não trouxe apenas emprego e renda. Trouxe também a sensação de segurança indispensável para que a população recupere sua confiança na pátria. Nada de excepcional ocorreu no país além da expansão do emprego e da renda.
Nem mesmo essa expansão atingiu nível extraordinário. O tempo médio para conseguir um novo emprego em São Paulo, por exemplo, ainda é superior a 40 semanas, segundo a Fundação Seade e o Dieese.
Estamos, portanto, longe do objetivo, mas no caminho certo. Para a felicidade geral da nação, essa tendência de crescimento do emprego e da renda tem de continuar. Será imperdoável se viermos a desperdiçar o atual momento por excesso de conservadorismo e medo.
Políticas exageradamente ortodoxas e defensivas, como os juros exorbitantes, que podem ser elevados ainda mais amanhã, e a contração do investimento público, podem desviar o país da rota do bem-estar e da felicidade. Para ser feliz não é preciso viver num utópico paraíso. Basta ter a percepção de que há um caminho aberto para chegar até lá.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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