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ANÁLISE
O poder da deflação
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
SALVAR AS instituições
de crédito hipotecário
salvará o mundo? Quem
dera fosse simples assim.
A tomada de controle das gigantes Fannie Mae e Freddie
Mac era decerto a coisa certa a
fazer, e a maneira pela qual foi
realizada também merece elogios. O plano ajudará a sustentar instituições que desempenham papel crucial na economia, enquanto reduzirá os custos para os contribuintes ao
mais ou menos zerar os valores
dos ativos dos acionistas.
Mas a medida precisa ser vista em contexto mais amplo, o
da tentativa do Federal Reserve
(Fed, o BC dos EUA) e do Departamento do Tesouro de conter os efeitos adversos da crise
financeira. E essa é uma luta
que as autoridades parecem estar perdendo.
Passou muito tempo desde
que Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, declarou que
uma bolha nacional no setor de
habitação era "altamente improvável". Tivemos a tal bolha
e, desde que ela estourou, dois
anos atrás, os preços dos imóveis residenciais vêm caindo
mais rápido do que o fizeram
durante a Grande Depressão.
A queda nos preços das casas,
por sua vez, conduziu ao muito
temido fenômeno da "deflação
de dívidas". Sim, deflação: os
preços estão subindo no varejo,
mas o valor dos ativos, aqueles
que importam nos balanços, está em rápida queda.
Como observou o economista Irving Fisher em 1933, quando indivíduos e empresas altamente endividados encontram
dificuldades, em geral vendem
ativos e usam os proventos para
saldar suas dívidas. O que Fisher apontou, no entanto, foi
que vendas como essas terminam por se tornar contraproducentes nos momentos em
que todos agem do mesmo jeito: a queda resultante nos preços de mercado solapa as posições financeiras dos devedores
mais rápido do que é possível liquidar as dívidas. Assim, a deflação nos preços dos ativos pode se tornar um círculo vicioso.
E uma das conseqüências do
que ele chamou de "estouro de
liquidação" é uma severa desaceleração econômica.
É isso que está acontecendo
agora, e a deflação de dívidas
passa por problemas especialmente espinhosos porque os
principais protagonistas do
mercado estão altamente alavancados -ou seja, seus ativos
foram em larga medida adquiridos com dinheiro que tomaram de empréstimo.
Como definiu Paul McCulley, do fundo de investimento
Pimco, em ensaio recente intitulado "O Paradoxo da Desalavancagem", nos últimos meses
mais ou menos todas as instituições financeiras estavam
tentando reduzir sua alavancagem, mas a queda nos valores
dos ativos ainda assim fez com
que suas dívidas crescessem,
como proporção de seus ativos
totais.
E os números continuam a
piorar. Em julho de 2007, Ben
Bernanke, atual presidente do
Fed, sugeriu que os prejuízos
com o mercado de títulos hipotecários de risco ("subprime")
seriam de menos de US$ 100
bilhões. No mês passado, o total
ultrapassou os US$ 500 bilhões
e seguem crescendo.
O que nos conduz a Fannie e
Freddie -as duas únicas instituições de grande porte que
não haviam entrado na corrida
da desalavancagem, e é por isso
que respondem no momento
por 70% dos novos empréstimos hipotecários. Mas suas
fundações financeiras foram
solapadas pela deflação de dívidas, mesmo que seus empréstimos demonstrem mais responsabilidade que a média.
Assim, era preciso resgatar as
duas instituições, ou a deflação
de dívidas teria se tornado ainda pior. Mas será o suficiente?
Duvido. A crise financeira nos
EUA se parece muito com a do
Japão no final dos anos 1980,
que levou a uma desaceleração
de uma década e preocupou
muito economistas americanos
e o Fed. Imaginávamos se a
mesma coisa poderia acontecer
aqui, e economistas do Fed desenvolveram estratégias que
supostamente deveriam impedir esse desfecho. Acima de tudo, a resposta a uma crise financeira ao estilo japonês deveria envolver uma combinação muito agressiva de cortes
nos juros e medidas de estímulo fiscal, para impedir que uma
crise virasse forte desaceleração na economia real.
Quando surgiu a crise atual,
Bernanke de fato agiu de forma
muito agressiva no corte dos juros e fornecimento de fundos
ao setor privado. Mas o crédito
se tornou mais, não menos, escasso. E o estímulo fiscal foi
tanto pequeno demais quanto
mal direcionado.
Como resultado, o esforço de
conter a crise parece estar fracassando. Os preços dos ativos
continuam a cair, os prejuízos
ainda crescem, e o índice de desemprego acaba de atingir sua
marca mais alta em cinco anos.
A cada mês que passa, os EUA
parecem mais japoneses.
Portanto, sim, resgatar Freddie Mac e Fannie Mae foi uma
boa idéia. Mas isso acontece no
contexto de uma luta econômica mais ampla. E parece que estamos perdendo.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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