São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2008

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ANÁLISE

O poder da deflação

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

SALVAR AS instituições de crédito hipotecário salvará o mundo? Quem dera fosse simples assim.
A tomada de controle das gigantes Fannie Mae e Freddie Mac era decerto a coisa certa a fazer, e a maneira pela qual foi realizada também merece elogios. O plano ajudará a sustentar instituições que desempenham papel crucial na economia, enquanto reduzirá os custos para os contribuintes ao mais ou menos zerar os valores dos ativos dos acionistas.
Mas a medida precisa ser vista em contexto mais amplo, o da tentativa do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) e do Departamento do Tesouro de conter os efeitos adversos da crise financeira. E essa é uma luta que as autoridades parecem estar perdendo.
Passou muito tempo desde que Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, declarou que uma bolha nacional no setor de habitação era "altamente improvável". Tivemos a tal bolha e, desde que ela estourou, dois anos atrás, os preços dos imóveis residenciais vêm caindo mais rápido do que o fizeram durante a Grande Depressão.
A queda nos preços das casas, por sua vez, conduziu ao muito temido fenômeno da "deflação de dívidas". Sim, deflação: os preços estão subindo no varejo, mas o valor dos ativos, aqueles que importam nos balanços, está em rápida queda.
Como observou o economista Irving Fisher em 1933, quando indivíduos e empresas altamente endividados encontram dificuldades, em geral vendem ativos e usam os proventos para saldar suas dívidas. O que Fisher apontou, no entanto, foi que vendas como essas terminam por se tornar contraproducentes nos momentos em que todos agem do mesmo jeito: a queda resultante nos preços de mercado solapa as posições financeiras dos devedores mais rápido do que é possível liquidar as dívidas. Assim, a deflação nos preços dos ativos pode se tornar um círculo vicioso.
E uma das conseqüências do que ele chamou de "estouro de liquidação" é uma severa desaceleração econômica. É isso que está acontecendo agora, e a deflação de dívidas passa por problemas especialmente espinhosos porque os principais protagonistas do mercado estão altamente alavancados -ou seja, seus ativos foram em larga medida adquiridos com dinheiro que tomaram de empréstimo.
Como definiu Paul McCulley, do fundo de investimento Pimco, em ensaio recente intitulado "O Paradoxo da Desalavancagem", nos últimos meses mais ou menos todas as instituições financeiras estavam tentando reduzir sua alavancagem, mas a queda nos valores dos ativos ainda assim fez com que suas dívidas crescessem, como proporção de seus ativos totais.
E os números continuam a piorar. Em julho de 2007, Ben Bernanke, atual presidente do Fed, sugeriu que os prejuízos com o mercado de títulos hipotecários de risco ("subprime") seriam de menos de US$ 100 bilhões. No mês passado, o total ultrapassou os US$ 500 bilhões e seguem crescendo.
O que nos conduz a Fannie e Freddie -as duas únicas instituições de grande porte que não haviam entrado na corrida da desalavancagem, e é por isso que respondem no momento por 70% dos novos empréstimos hipotecários. Mas suas fundações financeiras foram solapadas pela deflação de dívidas, mesmo que seus empréstimos demonstrem mais responsabilidade que a média.
Assim, era preciso resgatar as duas instituições, ou a deflação de dívidas teria se tornado ainda pior. Mas será o suficiente?
Duvido. A crise financeira nos EUA se parece muito com a do Japão no final dos anos 1980, que levou a uma desaceleração de uma década e preocupou muito economistas americanos e o Fed. Imaginávamos se a mesma coisa poderia acontecer aqui, e economistas do Fed desenvolveram estratégias que supostamente deveriam impedir esse desfecho. Acima de tudo, a resposta a uma crise financeira ao estilo japonês deveria envolver uma combinação muito agressiva de cortes nos juros e medidas de estímulo fiscal, para impedir que uma crise virasse forte desaceleração na economia real.
Quando surgiu a crise atual, Bernanke de fato agiu de forma muito agressiva no corte dos juros e fornecimento de fundos ao setor privado. Mas o crédito se tornou mais, não menos, escasso. E o estímulo fiscal foi tanto pequeno demais quanto mal direcionado.
Como resultado, o esforço de conter a crise parece estar fracassando. Os preços dos ativos continuam a cair, os prejuízos ainda crescem, e o índice de desemprego acaba de atingir sua marca mais alta em cinco anos.
A cada mês que passa, os EUA parecem mais japoneses.
Portanto, sim, resgatar Freddie Mac e Fannie Mae foi uma boa idéia. Mas isso acontece no contexto de uma luta econômica mais ampla. E parece que estamos perdendo.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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