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Assaltos e seqüestros elevam poupança
Incidência maior de crimes contra a propriedade leva população a economizar mais, diz estudo da PUC e da Universidade de Nova York
No caso de crimes contra a vida, como homicídios, altas taxas acarretam redução da poupança, pois há estímulo menor para adiar consumo
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
As pessoas poupam mais em
cidades com aumento nas taxas
de crimes contra a propriedade, como furtos, roubos e extorsão por meio de seqüestro, diz
estudo elaborado pela PUC
(Pontifícia Universidade Católica) e pela Universidade de Nova York. Com base nos dados do
Estado de São Paulo, os autores
concluem que um aumento de
1% nas estatísticas de crimes
dessa natureza resulta em um
crescimento de 0,20% no nível
de poupança.
Violência e poupança podem
parecer, à primeira vista, temas
pouco relacionados, mas o elo
entre segurança pública e economia são os hábitos de consumo, normalmente afetados pelo aumentos das estatísticas de
criminalidade.
O aumento no nível de poupança, neste caso, não está relacionado à solidez financeira. As
pessoas poupam por falta de
confiança nas entidades públicas, por medo de se tornarem
potenciais vítimas de assalto ou
de seqüestro-relâmpago ao
comprar um carro mais luxuoso ou uma roupa de grife.
Para o sociólogo David Morais, da Universidade Cândido
Mendes, o crescimento das cidades nas últimas décadas
trouxe não só a ascensão dos níveis de criminalidade como disseminou o medo do crime. Segundo ele, as mudanças se traduzem em pequenos hábitos,
como evitar circular em certos
bairros à noite, evitar usar artigos de valor ou diminuir a freqüência a bares e restaurantes.
Com isso, as pessoas acabam
substituindo o consumo "de
risco" pelo mais seguro: em vez
de ir ao cinema, alugam um filme, em vez de sair para jantar,
pedem comida em casa.
O estudo elaborado por João
Manuel Pinho de Mello, da
PUC, e Eduardo Zilberman, da
Universidade de Nova York,
conclui que existe uma relação
direta entre as estatísticas de
crime e o nível de poupança,
mas a relação só é válida para os
crimes contra a propriedade. A
pesquisa foi realizada a partir
do cruzamento de dados das diferentes cidades do Estado de
São Paulo com os índices de criminalidade. Crimes considerados mais violentos, como homicídios, têm efeito contrário e
acabam por contribuir para
uma redução no nível de poupança. Poupar significa, na prática, adiar a perspectiva de consumo. Quando há risco de morte, não existe estímulo para deixar o consumo para depois.
Os dados da pesquisa são referentes a 2000 devido à necessidade de uso de dados do Censo, mas as conclusões indicam
uma tendência. "O que acontece em ambientes onde a prática
desses crimes é disseminada é
que as pessoas reagem saindo
menos, vão menos a restaurantes, ajustam o consumo de artigos que podem chamar a atenção, como carros de luxo, porque a chance de ser assaltado é
maior", diz o economista João
Manuel Pinho de Mello.
Cautela
Nilson Oliveira, coordenador
do Instituto Fernand Braudel,
afirma que o estudo é pioneiro,
mas que deve ser avaliado com
cautela. "Os próprios autores
destacam que não estão defendendo políticas de indução a esse tipo de crime para aumentar
os níveis de poupança. Estão
mostrando a relação entre crime, violência e poupança."
Oliveira citou como exemplo
um entrevistado de uma pesquisa feita pelo instituto com
1.092 famílias na periferia de
São Paulo. "Visitamos o dono
de um mercado no Capão Redondo que resolveu construir
em cima do mercado um espaço para alugar, em vez de expandir os negócios. Ele acreditava que, assim, tinha menos
chances de se tornar vítima de
seqüestro." Segundo o pesquisador, o comerciante preferia
investir em casas do que na ampliação dos negócios para que
eventuais criminosos não vissem sinais de enriquecimento.
Além disso, pensava em inibir
iniciativas dos possíveis seqüestradores com a dificuldade
da família de se desfazer de um
imóvel da noite para o dia. "Do
ponto de vista econômico, o raciocínio dele é exemplar."
A pesquisa da PUC e da Universidade de Nova York foi realizada com dados disponíveis
do Banco Central. Segundo o
estudo, a maior incidência de
crimes estimula a poupança
bancária, e não outras modalidades, como aplicações em fundos de investimento ou acúmulo de dinheiro em casa. Além
disso, somente os crimes locais
têm influência sobre as decisões financeiras pessoais.
Um dos maiores estímulos à
poupança em ambientes de alta
criminalidade é a necessidade
de realocação. Pesquisa realizada no Rio pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social mostrou que 51% das pessoas gostariam de se mudar em razão da
violência. No caso dos fluminenses, a violência se traduziu
também em mudança de hábitos: 34% dos entrevistados deixaram de sair de casa à noite e
26% tomam mais cuidado.
Segundo Mello, o estímulo à
poupança para a aquisição de
um imóvel em outra vizinhança ganha ainda mais peso em
um país com mercado de crédito pouco desenvolvido.
Além de reduzir o consumo,
o medo de se tornar potencial
vítima da violência também reduz as oportunidades de consumo, especialmente em diversão. "Negócios ligados a entretenimento reagem ao aumento
da criminalidade fechando
mais cedo ou com mudanças
para áreas com menor incidência de crimes", diz o estudo.
Apesar dos resultados, São
Paulo é o berço da indústria de
artigos de luxo no país, mas
Mello destaca que esses itens
seguem o crescimento da renda. "Se fosse possível reduzir as
estatísticas de crimes, provavelmente o consumo destes
produtos seria ainda maior."
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