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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Equação do segundo turno
O povo sabe que pelo menos
no dia da eleição ele tem
poder e está sabendo
exercê-lo cada vez melhor
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A EQUAÇÃO das eleições presidenciais de 1º de outubro foi
simples: os muito ricos e os
pobres votaram em Lula; a classe
média votou em Geraldo Alckmin.
As pesquisas de intenção de voto
não deixaram qualquer dúvida a respeito, exceto com relação aos muito
ricos, que elas não captam porque
são poucos e fogem da distribuição
normal. Nunca houve uma eleição
tão polarizada e tão esquizofrênica
como essa: polarizada porque os pobres e os pouco educados votaram
em um candidato, e os remediados e
educados, em outro; esquizofrênica
porque os muito ricos votaram com
os pobres e os miseráveis.
Uma segunda característica do
primeiro turno foi a queda de Lula
nas duas últimas semanas, em decorrência da indignação geral causada pelo dossiê contra os adversários
e pela arrogância do candidato de
não comparecer aos debates.
Diante desses fatos, duas perguntas se colocam: Por que a votação assumiu esse padrão tão definido? Terá a tendência favorável a Alckmin
força para levá-lo à vitória no segundo turno?
A explicação econômica não deixa
dúvida: os pobres votaram em Lula
porque foram beneficiados pelo aumento do salário mínimo e pelo aumento de recipientes do Bolsa Família; os muitos ricos, porque foram
privilegiados por juros inacreditavelmente generosos. A distribuição
não foi igual: os muito ricos, que não
passam de 2 milhões, receberam do
Tesouro nacional 8,5% do PIB na
forma de juros (dos quais 2,5% pontos percentuais podem ser considerados razoáveis, e 6,5%, captura),
enquanto os pobres, que somam pelo menos 75 milhões, receberam
menos de 3% do PIB na forma de assistência social evidentemente legítima, embora não estimuladora do
trabalho. A distribuição foi, portanto, desequilibrada. Considerando
um PIB de R$ 2 trilhões, os 6% recebidos pelos ricos correspondem a
um subsídio de cerca de R$ 60 mil
por pessoa, enquanto os 3% recebidos pelos pobres, a uma assistência
de cerca de R$ 800 por pessoa ao
ano. A diferença brutal, entretanto,
não impediu o voto dos pobres em
Lula, porque eles se sentiram de
qualquer forma beneficiados pela
bolsa e pelo aumento do salário mínimo.
Já a classe média votou em Geraldo Alckmin porque nada recebeu do
governo, a não ser uma pequena
parcela da burocracia do Estado que
continua a receber salários e aposentadorias privilegiadas. Os demais
viram seus salários estagnarem,
seus empregos desaparecerem e
seus parentes e amigos emigrarem.
E porque, em um primeiro momento, a classe média ficou indignada,
mas confusa pela corrupção do escândalo do mensalão, que o governo
insistia em chamar de "caixa dois",
mas, mais recentemente, eliminou
qualquer dúvida ao ver no escândalo
do dossiê a confirmação da falta de
ética que domina o PT e o Planalto.
A força dessa indignação é grande,
espalha-se gradualmente por toda a
sociedade e poderá ser suficiente
para levar Geraldo ao Planalto. Receio, entretanto, que não seja suficiente: que não bastará eliminar a
corrupção política, que é profundamente desmoralizante, mas representa pouco em valor; Alckmin precisará dar sinais de que enfrentará o
problema da corrupção econômica
-da captura do patrimônio público
pelos rentistas e associados.
Sei que essa é uma questão delicada, sei que os políticos devem fazer
compromissos, procurar somar, em
vez de dividir. Mas, sem uma indicação clara de que o novo governo reformulará a política econômica,
combinando um grande ajuste fiscal
com uma redução simultânea (em
vez de a posteriori) da taxa de juros
que incide sobre os títulos públicos,
ele não estará dando aos pobres motivos suficientes para mudar de lado.
A objeção conservadora a esse tipo de argumento é inevitável: "Os
eleitores não sabem votar, não pensam tão racionalmente". Nada mais
enganoso, porém, do que subestimar o povo. Ele pode estar mal informado, em muitos casos ele é enganado, como em parte também está acontecendo nestas eleições, mas
ele sabe que pelo menos no dia da
eleição ele tem poder e está sabendo
exercê-lo cada vez melhor.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor da emérito Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "
As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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