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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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ECONOMIA INTERNACIONAL

Jane D'Arista afirma que corte nos impostos faz parte de estratégia de Bush para reduzir governo

Hegemonia do dólar ficou cara, diz analista

GIULIANO GUANDALINI
DA REDAÇÃO

A hegemonia do dólar tornou-se cara demais para os EUA e para o resto do planeta. Ela restringe o desenvolvimento dos países pobres e também o dos EUA.
A análise é da economista norte-americana Jane D'Arista, diretora de programas do Financial Markets Center, instituto que se dedica à análise dos mercados internacionais. D'Arista trabalhou vários anos no Congresso dos EUA, ocupando cargos nas comissões de Orçamento e de Comércio, e também já deu aulas na Boston University School of Law.
De acordo com a economista, os EUA só conseguem financiar os seus déficits gêmeos (nas contas interna e externa) graças aos investidores estrangeiros, sobretudo asiáticos, que compram títulos norte-americanos. Isso propiciou a expansão de crédito nos EUA, mas, para D'Arista, o endividamento americano e dos estrangeiros já está perto do limite.
Leia, abaixo, entrevista concedida à Folha, por e-mail.
 
Folha - Até que ponto os déficits gêmeos dos EUA colocam em risco a economia mundial?
Jane D'Arista -
A questão é grave, mas o termo "déficits gêmeos" não define o problema adequadamente. O déficit em conta corrente criado pelo acúmulo de ativos americanos por estrangeiros pode ser o resultado do endividamento tanto do setor privado como do público. Nos anos 90, a expansão do crédito doméstico foi possível com a entrada de recursos nos EUA e fez com que o endividamento das famílias e das empresas norte-americanas atingisse níveis sem precedentes. Mas o boom produzido permitiu que o Tesouro tivesse superávits, porque a arrecadação cresceu.
Atualmente, os déficits do setor público e do privado estão crescendo, enquanto recursos públicos estrangeiros são investidos em ativos americanos, devido a intervenções cambiais, o que permite a expansão do crédito doméstico nos EUA. O aumento do endividamento doméstico nos EUA e o aumento no endividamento externo são insustentáveis.

Folha - Os mercados futuros trabalham com a expectativa de alta nas taxas de juros, em parte por causa da recuperação econômica e em parte por causa da queda na demanda por títulos dos EUA. Até que ponto é possível que ocorra um cenário negativo, em que o Federal Reserve (banco central americano) seria forçado a elevar as taxas de juros agressivamente, como aconteceu nos anos 80?
D'Arista -
O atual interesse em ativos denominados em iene, em decorrência da expectativa de maior crescimento no Japão, é uma mostra da mudança dos sentimentos nos mercados. É totalmente possível que caia o apetite de investidores privados por ativos americanos. Se isso ocorrer, se os EUA não forem capazes de atrair financiamento para o seu déficit em conta corrente e para o gigantesco endividamento privado, que supera a poupança interna, as taxas de juros vão subir.
Se a economia ainda estiver fraca, o Fed tentará evitar a alta nos juros ampliando a liquidez. Isso deverá estimular os investidores domésticos a comprar ativos que estejam sendo vendidos pelos estrangeiros, mas, como no início dos anos 90, isso também poderia iniciar uma fuga de capital dos residentes norte-americanos.
Se a economia estiver mais robusta, o Fed poderia aumentar os juros, com a expectativa de que isso diminuirá a saída de capitais. De qualquer maneira, as condições são diferentes daquelas dos anos 80, mais notadamente a inexistência de pressão inflacionária.

Folha - As emissões de títulos denominados em euro ultrapassaram as em dólar. Estamos presenciando a queda do dólar enquanto reserva internacional de valor?
D'Arista -
O fato de que as emissões em euro tenham suplantado as em dólar reflete, em parte, o número crescente de emissões de companhias da zona do euro. A moeda única européia assumiu um importante papel ao criar um vasto mercado para títulos europeus. Com certeza, o dólar perdeu parte de seu brilho, enquanto o euro se favoreceu com a integração dos mercados europeus e efetivamente assumiu uma posição de duopólio [com o dólar].

Folha - O governo Bush aumentou os gastos públicos, especialmente em defesa, e reduziu impostos. Se a recuperação econômica se materializar, poderia ocorrer uma reversão da deterioração fiscal?
D'Arista -
Muitos economistas e analistas acreditam que a redução de impostos aprovada pelo governo vai continuar produzindo déficits, a menos que haja um radical corte nos gastos. Alguns vêem nisso uma estratégia deliberada para reduzir o governo, um objetivo declarado do governo e de membros de seu partido [o Republicano] no Congresso. Eu concordo com essa visão.

Folha - Os EUA têm um enorme déficit comercial, principalmente com a China. Lobbies querem que o governo imponha sanções comerciais. Ao mesmo tempo, autoridades acusam países asiáticos de manterem suas moedas artificialmente desvalorizadas. É possível que os EUA se tornem uma economia mais fechada por causa disso?
D'Arista -
A política do governo é de curto prazo e tem visão curta. Impor barreiras comerciais e reclamar de intervenções cambiais não resolverá o problema real -um sistema monetário internacional ultrapassado, que atinge o interesse de todos os países, inclusive o dos EUA.
A atual ênfase dos países em desenvolvimento no crescimento puxado pelas exportações ocorre pelo fato de suas moedas não serem usadas nas transações comerciais. Eles só podem participar dos mercados utilizando moedas fortes. E, como não emitem essas moedas, sobretudo dólar, euro e iene, esses países precisam ganhá-las exportando mais do que importam. Se tomam empréstimos, precisam exportar para ganhar moedas fortes e pagar as dívidas. Esse é o elemento-chave do sistema neocolonial que governa a economia global. Ele cria dependência, limita as oportunidades dos países em desenvolvimento de fazer negócios com outros países em desenvolvimento e restringe a capacidade deles de estimular a demanda interna.
Mas isso também restringe a economia dos EUA, cuja indústria perde em competitividade para a de países com salários mais baixos e moedas mais fracas. A hegemonia do dólar tornou-se muito cara para os EUA.



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