São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

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"Cúpula do G20 para discutir crise vai dar em nada", afirma professor

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A CAMBRIDGE

A cúpula do próximo dia 15 para discutir a crise financeira global será apenas uma chance de líderes de vários países posarem para fotografia. "Falar sobre a necessidade de mais coordenação e regulação é uma coisa. Concordar sobre o que deve ser feito é algo muito diferente", diz Benjamin Friedman, professor de economia política de Harvard, a mais antiga universidade dos EUA -a mesma na qual se formou Barack Obama, em 1991, em direito.
Friedman vocaliza o que muitos na universidade têm dito sobre a última iniciativa de George W. Bush para consertar o sistema financeiro global. A realização do encontro de cúpula sem a devida preparação está sendo considerada como algo quase inútil. Pela proximidade de Ob
ama com vários de seus professores, Harvard tem se tornado um pólo de influência para a equipe de transição do democrata. Assim como os acadêmicos torcem o nariz para a cúpula de Bush, até agora não há sinais claros de como o futuro ocupante da Casa Branca tratará o encontro do próximo sábado.
"Não creio que você possa esperar nada desse encontro (...). Em Bretton Woods, em 1944, o encontro foi precedido por quase dois anos de trabalho.
Agora, nada quase foi feito. É uma piada", diz Friedman. Ex-diretor do departamento de economia de Harvard e colaborador da prestigiada publicação "The New York Review of Books", Friedman é um defensor do crescimento continuado dos países, desde que seja possível haver distribuição da riqueza criada -mais ou menos o que propôs Obama durante sua campanha. Para entender um pouco o que pensa o democrata, uma leitura possível é o livro escrito por Friedman em 2005 "As Conseqüências Morais do Crescimento Econômico".
Nessa obra, ele sustenta que a estagnação econômica faz mal para a "saúde moral" dos países. Os EUA estariam a ponto de entrar nesse tipo de cenário? Ele acha que sim, pois o crescimento dos anos recentes foi muito concentrado. "A maioria das famílias hoje tem renda menor que há dez anos. E agora ainda teremos uma recessão que deve durar um ano." Apesar de estar no berço do pensamento politicamente correto dos EUA (a região nordeste do país, onde fica Harvard), Friedman tem uma abordagem bem liberal quando se trata de resolver o atual congelamento de crédito. Acha que os bancos podem receber ainda mais injeção de recursos estatais. "O crédito voltará com o tempo. E, talvez, os governos devam apenas por enquanto comprar mais ações dos bancos", diz ele. A seguir, trechos da entrevista à Folha.

 

FOLHA - As medidas já adotadas pelos governos dos EUA e de outros países são suficientes ou ainda é necessário fazer mais?
BENJAMIN FRIEDMAN
- A resposta é sim, agora. Antes, o programa do Tesouro estava indo na direção errada. A idéia inicial era usar os US$ 700 bilhões aprovados pelo Congresso para comprar os títulos podres nas carteiras de crédito das instituições bancárias. Depois, houve uma correção de rumo. Os primeiros US$ 250 bilhões foram usados para comprar ações dos bancos, como forma de aumentar a liquidez dessas instituições. Essa foi uma decisão correta. Há uma lição que aprendemos com a crise bancária do Japão nos anos 90. É mais eficaz atuar comprando participação acionária dos bancos que ajudar uma instituição diretamente resgatando seus títulos podres. Ou seja, no início estava muito cético. Agora, acho que estão na direção correta. Só espero que usem mais dos US$ 700 bilhões para comprar ações dos bancos.

FOLHA - Os bancos que receberam dinheiro não estão descongelando o crédito. O que pode ser feito?
FRIEDMAN
- É difícil resolver. Acho que seria um erro o governo tentar começar a garantir os empréstimos apenas para que os bancos comecem a descongelar o crédito. Acredito que o crédito voltará com o tempo. E, talvez, os governos devam apenas por enquanto comprar mais ações dos bancos.

FOLHA - Tem sido lugar-comum dizer ser necessário impor mais regras ao mercado. O sr. é a favor de uma regulamentação mais extensiva?
FRIEDMAN
- O ponto mais importante é a transparência na divulgação dos dados. É algo óbvio para qualquer economista. Nós somos todos treinados para acreditar que mais informação promove a eficiência do mercado. No caso das carteiras de empréstimos imobiliários podres, foi assustador o grau de pouca informação sobre as formas como os títulos foram vendidos e securitizados. Como se não bastasse, as agências de classificação de risco são pagas pelas mesmas empresas que estavam sendo analisadas. Quer dizer, era uma piada. Ninguém, por mais interesse que tivesse, por mais independente que fosse, teria sido capaz de identificar com precisão o que se passava, se considerasse apenas as classificações de risco colocadas à disposição do público. Foi um serviço relapso. É claro que só mais transparência não resolverá os problemas. Será necessário decidir sobre restrições para certos tipos de operação. Mas, a cada restrição adotada, também se reduz a eficiência do mercado.

FOLHA - Até que ponto a intervenção do governo nos mercados será temporária nos EUA?
FRIEDMAN
- Eu espero que seja temporária e acho que em algum tempo as ações vão se valorizar e poderão ser vendidas de volta para a iniciativa privada. Mas acho que não será como no passado, com a lógica de o mercado sempre prevalecer sobre o restante da sociedade. A velha máxima de que "o governo sempre está errado e o setor privado sempre faz tudo certo" será suplantada, pois é um raciocínio totalmente fracassado. Essa intervenção feita nos bancos, por meio de compra de ações, será temporária, mas os efeitos da operação serão sentidos por muito tempo como um reforço do papel do Estado como agente regulador.

FOLHA - Que tipo de capitalismo emergirá da crise?
FRIEDMAN
- Nós não teremos de recriar a roda. Se voltarmos a um quarto de século aqui nos EUA, os bancos funcionavam sob um sistema regulatório com mais supervisão do que temos hoje. Voltarmos a um sistema como aquele, que já tivemos, será muito útil.

FOLHA - Qual a sua expectativa para o encontro do G20, em Wa- shington, no dia 15?
FRIEDMAN
- Não creio que você possa esperar algo. Essas cúpulas são apenas para os líderes posarem para fotografia. Não terá nada de substantivo para alterar políticas.

FOLHA - O sr. considera então o encontro inútil?
FRIEDMAN
- Acho necessária coordenação internacional. Até porque de nada adiantaria os EUA imporem restrições aos bancos. Eles simplesmente diriam: "O.k., agora vamos operar todos a partir de Londres". Ou os EUA e o Reino Unido então se acertarem e os bancos migrarem para as ilhas Cayman. Creio que, quando alguns falam que será um "Bretton Woods 2", imagino que ninguém esteja se referindo a fixar taxas de câmbio. O que será necessário é coordenação e cooperação internacional.

FOLHA - Mas há clima para esse tipo de acordo geral?
FRIEDMAN
- Falar sobre a necessidade de mais coordenação e regulação é uma coisa. Concordar sobre o que deve ser feito é algo muito diferente. Não creio na possibilidade de haver consenso na cúpula do dia 15. Alguns têm falado em "Bretton Woods 2", mas acredito ser apenas uma metáfora solta a respeito de vários países se reunirem para discutir economia. Em Bretton Woods, em 1944, o encontro foi precedido por quase dois anos de trabalho. Agora, nada quase foi feito.

FOLHA - Em seu livro "As Conseqüências Morais do Crescimento Econômico", o sr. fala sobre o perigo de um país ficar sem crescer muito tempo, pois a "saúde moral" se deteriora. Em que medida os EUA estão entrando numa fase dessas?
FRIEDMAN
- Em certa medida sim, pois o crescimento econômico na última década aqui foi muito concentrado. Apesar de a economia em geral ter crescido até de maneira decente, os frutos disso foram para uma parcela pequena da população. A maioria das famílias hoje tem renda menor que há dez anos. E agora ainda teremos uma recessão que deve durar um ano.


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