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"Cúpula do G20 para discutir crise vai dar em nada", afirma professor
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A CAMBRIDGE
A cúpula do próximo dia 15
para discutir a crise financeira
global será apenas uma chance
de líderes de vários países posarem para fotografia. "Falar sobre a necessidade de mais coordenação e regulação é uma coisa. Concordar sobre o que deve
ser feito é algo muito diferente", diz Benjamin Friedman,
professor de economia política
de Harvard, a mais antiga universidade dos EUA -a mesma
na qual se formou Barack Obama, em 1991, em direito.
Friedman vocaliza o que
muitos na universidade têm dito sobre a última iniciativa de
George W. Bush para consertar
o sistema financeiro global. A
realização do encontro de cúpula sem a devida preparação
está sendo considerada como
algo quase inútil.
Pela proximidade de Ob
ama
com vários de seus professores,
Harvard tem se tornado um pólo de influência para a equipe
de transição do democrata. Assim como os acadêmicos torcem o nariz para a cúpula de
Bush, até agora não há sinais
claros de como o futuro ocupante da Casa Branca tratará o
encontro do próximo sábado.
"Não creio que você possa esperar nada desse encontro (...).
Em Bretton Woods, em 1944, o
encontro foi precedido por
quase dois anos de trabalho.
Agora, nada quase foi feito. É
uma piada", diz Friedman.
Ex-diretor do departamento
de economia de Harvard e colaborador da prestigiada publicação "The New York Review of
Books", Friedman é um defensor do crescimento continuado
dos países, desde que seja possível haver distribuição da riqueza criada -mais ou menos o
que propôs Obama durante sua
campanha. Para entender um
pouco o que pensa o democrata, uma leitura possível é o livro
escrito por Friedman em 2005
"As Conseqüências Morais do
Crescimento Econômico".
Nessa obra, ele sustenta que
a estagnação econômica faz
mal para a "saúde moral" dos
países. Os EUA estariam a ponto de entrar nesse tipo de cenário? Ele acha que sim, pois o
crescimento dos anos recentes
foi muito concentrado. "A
maioria das famílias hoje tem
renda menor que há dez anos. E
agora ainda teremos uma recessão que deve durar um ano."
Apesar de estar no berço do
pensamento politicamente
correto dos EUA (a região nordeste do país, onde fica Harvard), Friedman tem uma
abordagem bem liberal quando
se trata de resolver o atual congelamento de crédito. Acha que
os bancos podem receber ainda
mais injeção de recursos estatais. "O crédito voltará com o
tempo. E, talvez, os governos
devam apenas por enquanto
comprar mais ações dos bancos", diz ele. A seguir, trechos
da entrevista à Folha.
FOLHA - As medidas já adotadas
pelos governos dos EUA e de outros
países são suficientes ou ainda é necessário fazer mais?
BENJAMIN FRIEDMAN
- A resposta
é sim, agora. Antes, o programa
do Tesouro estava indo na direção errada. A idéia inicial era
usar os US$ 700 bilhões aprovados pelo Congresso para
comprar os títulos podres nas
carteiras de crédito das instituições bancárias. Depois, houve uma correção de rumo. Os
primeiros US$ 250 bilhões foram usados para comprar ações
dos bancos, como forma de aumentar a liquidez dessas instituições. Essa foi uma decisão
correta. Há uma lição que
aprendemos com a crise bancária do Japão nos anos 90. É
mais eficaz atuar comprando
participação acionária dos bancos que ajudar uma instituição
diretamente resgatando seus
títulos podres. Ou seja, no início estava muito cético. Agora,
acho que estão na direção correta. Só espero que usem mais
dos US$ 700 bilhões para comprar ações dos bancos.
FOLHA - Os bancos que receberam
dinheiro não estão descongelando o
crédito. O que pode ser feito?
FRIEDMAN - É difícil resolver.
Acho que seria um erro o governo tentar começar a garantir os
empréstimos apenas para que
os bancos comecem a descongelar o crédito. Acredito que o
crédito voltará com o tempo. E,
talvez, os governos devam apenas por enquanto comprar
mais ações dos bancos.
FOLHA - Tem sido lugar-comum dizer ser necessário impor mais regras
ao mercado. O sr. é a favor de uma
regulamentação mais extensiva?
FRIEDMAN - O ponto mais importante é a transparência na
divulgação dos dados. É algo
óbvio para qualquer economista. Nós somos todos treinados
para acreditar que mais informação promove a eficiência do
mercado. No caso das carteiras
de empréstimos imobiliários
podres, foi assustador o grau de
pouca informação sobre as formas como os títulos foram vendidos e securitizados. Como se
não bastasse, as agências de
classificação de risco são pagas
pelas mesmas empresas que estavam sendo analisadas. Quer
dizer, era uma piada. Ninguém,
por mais interesse que tivesse,
por mais independente que
fosse, teria sido capaz de identificar com precisão o que se passava, se considerasse apenas as
classificações de risco colocadas à disposição do público. Foi
um serviço relapso.
É claro que só mais transparência não resolverá os problemas. Será necessário decidir
sobre restrições para certos tipos de operação. Mas, a cada
restrição adotada, também se
reduz a eficiência do mercado.
FOLHA - Até que ponto a intervenção do governo nos mercados será
temporária nos EUA?
FRIEDMAN - Eu espero que seja
temporária e acho que em algum tempo as ações vão se valorizar e poderão ser vendidas
de volta para a iniciativa privada. Mas acho que não será como no passado, com a lógica de
o mercado sempre prevalecer
sobre o restante da sociedade.
A velha máxima de que "o governo sempre está errado e o
setor privado sempre faz tudo
certo" será suplantada, pois é
um raciocínio totalmente fracassado. Essa intervenção feita
nos bancos, por meio de compra de ações, será temporária,
mas os efeitos da operação serão sentidos por muito tempo
como um reforço do papel do
Estado como agente regulador.
FOLHA - Que tipo de capitalismo
emergirá da crise?
FRIEDMAN - Nós não teremos de
recriar a roda. Se voltarmos a
um quarto de século aqui nos
EUA, os bancos funcionavam
sob um sistema regulatório
com mais supervisão do que temos hoje. Voltarmos a um sistema como aquele, que já tivemos, será muito útil.
FOLHA - Qual a sua expectativa para o encontro do G20, em Wa-
shington, no dia 15?
FRIEDMAN - Não creio que você
possa esperar algo. Essas cúpulas são apenas para os líderes
posarem para fotografia. Não
terá nada de substantivo para
alterar políticas.
FOLHA - O sr. considera então o encontro inútil?
FRIEDMAN - Acho necessária
coordenação internacional. Até
porque de nada adiantaria os
EUA imporem restrições aos
bancos. Eles simplesmente diriam: "O.k., agora vamos operar
todos a partir de Londres". Ou
os EUA e o Reino Unido então
se acertarem e os bancos migrarem para as ilhas Cayman.
Creio que, quando alguns falam que será um "Bretton
Woods 2", imagino que ninguém esteja se referindo a fixar
taxas de câmbio. O que será necessário é coordenação e cooperação internacional.
FOLHA - Mas há clima para esse tipo de acordo geral?
FRIEDMAN - Falar sobre a necessidade de mais coordenação e
regulação é uma coisa. Concordar sobre o que deve ser feito é
algo muito diferente. Não creio
na possibilidade de haver consenso na cúpula do dia 15.
Alguns têm falado em "Bretton Woods 2", mas acredito ser
apenas uma metáfora solta a
respeito de vários países se reunirem para discutir economia.
Em Bretton Woods, em 1944, o
encontro foi precedido por
quase dois anos de trabalho.
Agora, nada quase foi feito.
FOLHA - Em seu livro "As Conseqüências Morais do Crescimento
Econômico", o sr. fala sobre o perigo
de um país ficar sem crescer muito
tempo, pois a "saúde moral" se deteriora. Em que medida os EUA estão entrando numa fase dessas?
FRIEDMAN - Em certa medida
sim, pois o crescimento econômico na última década aqui foi
muito concentrado. Apesar de
a economia em geral ter crescido até de maneira decente, os
frutos disso foram para uma
parcela pequena da população.
A maioria das famílias hoje tem
renda menor que há dez anos. E
agora ainda teremos uma recessão que deve durar um ano.
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