UOL


São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Promessa é dívida

BENJAMIN STEINBRUCH

Antes, durante e depois da campanha eleitoral do ano passado, o presidente Lula e o PT sempre disseram que não aumentariam a carga tributária. A promessa está no programa de governo "Crescimento, Emprego e Inclusão Social", na "Carta ao Povo Brasileiro" (de forma implícita) e em muitos pronunciamentos e entrevistas do presidente Lula antes e depois da posse.
Provavelmente o presidente, que está voltando de viagem ao Oriente Médio, ainda não foi bem informado, mas a promessa está sendo quebrada. A mudança na contribuição da Cofins para evitar a cumulatividade do tributo e a manutenção da alíquota de 27,5% para o Imposto de Renda promovem, na prática, um aumento da carga tributária a partir de 2004.
É triste verificar que um governo aberto, que aceita o debate franco de mudanças, acabe baixando uma medida provisória como a da Cofins. A alteração nesse tributo era uma antiga reivindicação do setor produtivo e um compromisso de campanha do presidente Lula, explícito no item 44 do programa de governo: "Desoneração da produção, com o fim da cumulatividade das contribuições (PIS, Cofins, CPMF)".
A medida provisória que o governo baixou um mês atrás aparentemente tem o objetivo de cumprir a promessa de pôr fim à cumulatividade da Cofins. Ocorre que, estrategicamente, a título de compensação pelas perdas decorrentes dessa alteração, os redatores da medida elevaram a alíquota da Cofins de 3% para 7,6%, taxação que deverá entrar em vigor em fevereiro. Há divergências sobre o exato impacto da medida, mas todos os especialistas concordam que o resultado será o aumento das receitas do governo em bilhões. Os mais otimistas estimam R$ 4,4 bilhões (versão oficial), e os mais pessimistas, em R$ 12 bilhões.
O impacto da nova Cofins será devastador para o setor de serviços, que terá de suportar um aumento de até 153% na taxação sem se beneficiar do fim da cumulatividade do tributo. Escolas, hospitais particulares, hotéis, empresas de transportes, agências de publicidade, escritórios de advocacia e vários outros prestadores de serviços serão implacavelmente tributados em seu faturamento bruto. Até alguns setores industriais terão carga extra. O de alimentos, por exemplo, terá aumento de custos estimado em 3,5%. O de construção, em 2%. O de pesquisa e desenvolvimento, em 4%.
Não há lógica em promover tamanho estrago em setores altamente absorvedores de mão-de-obra. A realidade do mercado tenderá a empurrar inúmeros negócios para a informalidade, uma tendência que precisa ser combatida, e não estimulada.
O presidente Lula, dois meses atrás, na solenidade de abertura da feira internacional Expoabras, usou uma expressão feliz. Disse que seria "insanidade" aumentar a carga de impostos. A manutenção da alíquota de 27,5% para o Imposto de Renda, que elevará a carga sobre a classe média em cerca de R$ 3 bilhões, é uma decisão definitiva. Já foi aprovada pelo Congresso. Mas a mudança na Cofins ainda pode ser corrigida, porque começa a ser analisada por deputados e senadores nesta semana.
Há correções muito positivas na nova Cofins: desonera os bens de capital, desestimula a verticalização industrial que provoca ineficiência, desestimula importações e também desonera exportações. Mas não se pode jogar sobre os ombros de outros setores a obrigação de compensar (com folgas) as perdas de receitas decorrentes dessas correções.
O equilíbrio fiscal é indispensável e deve ser perseguido com obstinação pelo governo. Mas, como está escrito na "Carta ao Povo Brasileiro", documento síntese dos compromissos do presidente Lula para com a nação, "o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio", e deve ser usado para colocar o país no rumo do crescimento sustentável, e não simplesmente para prestar conta aos credores.
As sugestões para evitar o efeito maléfico da nova Cofins sobre a economia já foram levadas ao governo pelos diversos setores produtivos. O presidente Lula já demonstrou saber que existem momentos em que o chefe precisa usar sua autoridade. E este é um deles.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: País entra em nova fase e salários devem se recuperar, diz Meirelles
Próximo Texto: Taxas: Juro real de 8% é "razoável", diz Levy
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.