São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2009

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"Liquidação de um dia" gera filas e lota as lojas de grandes redes de varejo

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Número 470, Sebastiana! 471, Eduardo!, 472, Eucimari!..." São 5h30 e a "chefe de fiscais" Liliane organiza a imensa fila da liquidação de um dia só da rede varejista Magazine Luiza, que, na filial do shopping Aricanduva (zona leste de São Paulo), começou a se formar na madrugada de quinta. Com prancheta na mão, Liliane diz os números em voz alta, como se fosse professora de aeróbica, e parece viver um dia muito especial: "Amo a minha profissão!"
Apesar de seu empenho, o público avança desarvoradamente quando as portas se abrem, às 6h, sem que ninguém lhe cobre as senhas. A número 1, a manicure Fia Fernandes, 34, que está ali desde as 3h de quinta-feira, perde o pé direito de seu sapato -mas parece feliz: em sua pressa consumista, ela é iluminada por refletores de TV e se aferra a uma caixinha de chocolates que recebeu de brinde.
Fia ganha R$ 850, pretende gastar R$ 3.000, mas "só se valer muito a pena". Acaba levando um "rome" (hometheater) e uma "LCD" (TV).
Mas nem todo mundo está contente. "Meu número na fila era 156 e eu entrei junto com o 10 e o 390. A TV que eu queria estava de R$ 450 por R$ 350. Isso é liquidação?", reclama Luciana Teixeira, 31.
Assim como outros integrantes da fila, ela está entrando na filial da maior concorrente, a Casas Bahia, que também anuncia liquidação (ela e o Ponto Frio, segundo maior). Os preços se equivalem. A assessoria da Casas Bahia informa que seu faturamento, ontem, foi 66% maior que o da véspera.

Qual o segredo?
Inaugurado há 51 anos em Franca, no norte de São Paulo, o Magazine Luiza só entrou no mercado da capital em 2008, quando, em uma megaoperação, abriu simultaneamente 44 lojas (agora são 48). O marketing da "liquidação de um dia" tem 16 anos no interior.
Mas no que a promoção ali é diferente da dos outros varejistas? O diretor de vendas e marketing do ML, Frederico Trajano, diz que "os fornecedores negociam em caráter de exclusividade com a gente, por causa do histórico de credibilidade da liquidação".
O professor de comportamento do consumidor da ESPM, Fábio Borges, afirma que o fornecedor vai sempre embarcar em uma "negociação exclusiva" com o varejista. Borges prefere atribuir o sucesso da promoção a uma "sólida arquitetura de marketing". "Eles transformaram "a maior queima de estoque do interior" em notícia muito antes de a rede chegar a SP."
A assessoria do magazine diz que, em um dia, a rede registrou em suas 447 lojas espalhadas por sete Estados um faturamento de R$ 70 milhões -20% a mais que em 2008.
Na promoção de ontem, 2,3 milhões em itens estiveram disponíveis. Mas, para o taxista Odair Pinto, que está de saída sem levar nada, "baratinho, mesmo, só a panela de pressão, que custa R$ 9". "Você acha que alguém precisa passar quase dois dias em uma fila para comprar uma panela?"
Um dos problemas observados foi na interpretação do texto da promoção, que anunciava "até 70%" de descontos.
"Isso aí é propaganda enganosa", reclama a comerciária Lucile Vezetiv, 53, cujos dois filhos conseguiram comprar por R$ 2.600 uma TV que custa R$ 3.300.
De acordo com o professor Borges, a interpretação do texto da promoção "é um problema para o Ministério da Educação". "Não cabe ao varejo educar as pessoas. Mas o povo acaba aprendendo." Para reforçar o marketing do "imperdível", a rede do magazine fechou suas lojas às 14h, com o suposto fim do estoque.


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