São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 2010

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ALBERT FISHLOW

Os próximos anos


Os norte-americanos estão preocupados com o que vem ocorrendo no mundo, e qual seria o papel futuro dos EUA


O PRIMEIRO ano de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos está chegando ao fim. A despeito do Prêmio Nobel da Paz que lhe foi concedido, da vitória iminente quanto à aprovação de um pacote legislativo que estenderá a cobertura de saúde a mais de 30 milhões de norte-americanos e do final rápido de uma profunda recessão, ele não parece estar recebendo muitos aplausos. Por quê?
O clima em boa parte do país, a despeito de uma alta no nível nacional de satisfação em 2009, ante 2008, continua a ser de cautela. Os cidadãos comuns continuam insatisfeitos com Wall Street, especialmente depois do anúncio de que as instituições financeiras pretendem pagar grandes bonificações a seus executivos. Os republicanos e os democratas continuam a se distanciar no Congresso, e mal parecem capazes de dialogar civilizadamente. O Federal Reserve -e diversos economistas- continuam a ser acusados de responsabilidade por uma crise desnecessária e indesejada.
Esses e outros fatores de política interna, como a necessidade de leis que garantam um mercado financeiro mais transparente e a preocupação quanto ao financiamento de futuros deficit fiscais, ajudam a explicar o tom dominante no momento. Mas há outro elemento em ação, igualmente. No fundo, a maioria dos norte-americanos está preocupada com o que vem acontecendo no resto do mundo, e sobre qual seria o papel futuro dos EUA. As notícias recentes não foram nada animadoras.
O Irã se afastou de qualquer acordo quanto a sua expansão nuclear, e a dissidência interna do país -transmitida instantaneamente via internet- foi reprimida. É improvável que o Conselho de Segurança da ONU imponha sanções mais severas ou que estas, se impostas, viessem a ter grande efeito. A violência está em ascensão no Afeganistão e no Paquistão. Também no Iraque, a despeito dos acordos com empresas estrangeiras para autorizar a retomada na prospecção e na exploração de petróleo e da redução nos efetivos militares norte-americanos, ataques ocorrem a cada dia. O governo anunciou que enviará um reforço de 30 mil soldados ao Afeganistão, e o Taleban está sob pressão reforçada no Paquistão, mas o fim não está à vista. O Iêmen pode ser o próximo, depois que Umar Farouk Abdulmatallab tentou explodir um jato de passageiros no dia do Natal.
A guerra moderna assumiu nova forma. O número de soldados -e até mesmo a sofisticação tecnológica de seu equipamento- conta muito menos diante dos dispositivos explosivos improvisados e da disposição de indivíduos a cometer suicídio para promover a "jihad". É possível usar escutas telefônicas e criar listas especiais de vigilância para enfrentar essa ameaça, mas o problema é mais profundo. O nível de ódio e de dedicação apaixonada existente cria uma fonte constante de recrutas.
O medo cresceu, nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. Viagens aéreas agora só serão possíveis depois de uma passagem por aparelhos de vigilância ainda mais sofisticados. Mais informações serão acumuladas e haverá um melhor rastreamento. Uma sensação renovada de segurança terminará por surgir, mas as lembranças do que hoje vivemos persistirão.
Em um contexto como esse, crescerão as dúvidas sobre se os EUA devem continuar envolvidos nessa batalha aparentemente interminável, e, se a resposta for sim, por quanto mais tempo? Barack Obama terá de enfrentar essa relutância de parte do público durante os próximos três ou, provavelmente, sete anos.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

ALBERT FISHLOW , 74, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

afishlow@uol.com.br


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