São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Vulnerabilidade sustentável?

LUCIANO COUTINHO

Em meados de 1997, o então ministro do Planejamento, Antonio Kandir, fez publicar projeções de longo prazo para a economia brasileira e para o balanço de pagamentos. Previa, como condição fundamental de sustentabilidade do crescimento, um excelente desempenho das exportações -cuja expansão deveria ultrapassar 12% a.a. durante um longo período à frente. Posteriormente, já depois da crise asiática de outubro de 1997, o então secretário da Camex (José Roberto Mendonça de Barros) reforçou essa percepção sobre a necessidade de um vigoroso crescimento das exportações para viabilizar a sustentação da política econômica e permitir a retomada do crescimento. Mendonça de Barros foi além e projetou uma taxa ainda mais robusta de expansão das vendas externas (média de 13,5% a.a.) para dobrar o volume exportado em cinco anos.
As postulações acima estavam baseadas em exercícios de projeção econômica efetuados por técnicos do Ipea e do BNDES. A conclusão era clara: o rápido crescimento das exportações é condição "sine qua non" para manter a economia em expansão, com o déficit externo sob controle. Podia-se discordar de algumas hipóteses consideradas otimistas nessas situações, mas a conclusão estava (e continua) absolutamente correta -é imprescindível melhorar substancialmente o desempenho da balança comercial brasileira se se deseja sustentar o crescimento. O agravamento da crise internacional após a moratória russa deixou muito mais clara esta condição e também demonstrou o quão difícil é obter um desempenho firme das exportações, em condições externas adversas, tendo uma taxa de câmbio sobreapreciada.
Ao iniciar formalmente o seu segundo mandato, em discurso de posse o presidente Fernando Henrique Cardoso colocou a conquista da sustentabilidade do crescimento como objetivo maior, tendo criado o Ministério do Desenvolvimento para auxiliá-lo. É por isso oportuno revisitar as projeções de longo prazo sobre o balanço de pagamentos. A LCA Consultores elaborou um exercício atualizado de simulação, com metodologia semelhante à das projeções anteriores dos técnicos do governo. Nesse exercício, cujas linhas básicas constam da tabela, verifica-se claramente o elevado grau de dificuldade do desafio colocado. Com efeito:
1) mesmo que as exportações voltem a crescer rapidamente após o ano 2000 (10% a.a.) e que as importações cresçam mais lentamente (média de 5,7% a.a. após 2000), devido a uma política comercial mais agressiva e eficiente, de forma a gerar um saldo comercial crescente;
2) ainda assim, o aumento do volume do déficit da conta serviços (principalmente juros e remessa de lucros e outros gastos com fretes e turismo no exterior) mantém em nível muito elevado o déficit externo em conta corrente, que permanece acima de 4% do PIB durante todo o segundo mandato presidencial, só vindo a cair depois de 2003.
Os técnicos do governo até poderão discordar de detalhes da simulação preparada pela LCA Consultores, mas é impossível escapar da sua conclusão básica sobre a dificuldade de reversão do elevado grau de vulnerabilidade externa da economia brasileira sob as atuais linhas da política macroeconômica. Ressalta- se que o mencionado exercício adotou hipóteses bastantes benignas a respeito do cenário internacional, prevendo a manutenção do financiamento externo do déficit brasileiro sob taxas de juros razoáveis e, além disso, supôs que o déficit em fretes e turismo cairia em 1999 e cresceria apenas moderadamente no período seguinte. Em resumo, mesmo sob condições muito favoráveis (em que o governo brasileiro consiga cumprir satisfatoriamente o Plano de Estabilização Fiscal e se reconstituam ao longo de 1999 os ingressos de capitais e financiamentos externos) a trajetória de recuperação da economia será, na melhor hipótese, muito medíocre e persistirá sendo altamente vulnerável a mudanças no cenário global.
Deve-se, além disso, indagar se -dada a atual política cambial- o desempenho comercial projetado na simulação seria viável apenas com base na contenção do crescimento interno e utilização eficiente dos instrumentos contemporâneos de comércio exterior (e.g. antidumping, barreiras técnicas aceitáveis, meios aperfeiçoados de estímulo às exportações etc). O desempenho recente das exportações vem sendo decepcionante e seria imprescindível que o governo, por meio do novo Ministério do Desenvolvimento, acionasse com muita incisividade e velocidade esses instrumentos para melhorar as expectativas a respeito do desempenho comercial. Caso contrário, os agentes econômicos tenderão a reforçar o ceticismo reinante a respeito da sustentabilidade da trajetória da taxa de câmbio. O governo FHC tem diante de si uma última chance para implementar uma correção de rumos sob seu controle -se não o fizer logo, e se as condições externas não ajudarem, poderá ser levado de roldão pela desconfiança impiedosa dos mercados.
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Luciano Coutinho, 53, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).



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