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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Vulnerabilidade sustentável?
LUCIANO COUTINHO
Em meados de 1997, o então
ministro do Planejamento, Antonio Kandir, fez publicar projeções de longo prazo para a economia brasileira e para o balanço de pagamentos. Previa, como
condição fundamental de sustentabilidade do crescimento,
um excelente desempenho das
exportações -cuja expansão deveria ultrapassar 12% a.a. durante um longo período à frente.
Posteriormente, já depois da crise asiática de outubro de 1997, o
então secretário da Camex (José
Roberto Mendonça de Barros)
reforçou essa percepção sobre a
necessidade de um vigoroso crescimento das exportações para
viabilizar a sustentação da política econômica e permitir a retomada do crescimento. Mendonça de Barros foi além e projetou
uma taxa ainda mais robusta de
expansão das vendas externas
(média de 13,5% a.a.) para dobrar o volume exportado em cinco anos.
As postulações acima estavam
baseadas em exercícios de projeção econômica efetuados por técnicos do Ipea e do BNDES. A conclusão era clara: o rápido crescimento das exportações é condição "sine qua non" para manter
a economia em expansão, com o
déficit externo sob controle. Podia-se discordar de algumas hipóteses consideradas otimistas
nessas situações, mas a conclusão estava (e continua) absolutamente correta -é imprescindível melhorar substancialmente
o desempenho da balança comercial brasileira se se deseja
sustentar o crescimento. O agravamento da crise internacional
após a moratória russa deixou
muito mais clara esta condição e
também demonstrou o quão difícil é obter um desempenho firme
das exportações, em condições
externas adversas, tendo uma
taxa de câmbio sobreapreciada.
Ao iniciar formalmente o seu
segundo mandato, em discurso
de posse o presidente Fernando
Henrique Cardoso colocou a
conquista da sustentabilidade
do crescimento como objetivo
maior, tendo criado o Ministério
do Desenvolvimento para auxiliá-lo. É por isso oportuno revisitar as projeções de longo prazo
sobre o balanço de pagamentos.
A LCA Consultores elaborou um
exercício atualizado de simulação, com metodologia semelhante à das projeções anteriores dos
técnicos do governo. Nesse exercício, cujas linhas básicas constam da tabela, verifica-se claramente o elevado grau de dificuldade do desafio colocado. Com
efeito:
1) mesmo que as exportações
voltem a crescer rapidamente
após o ano 2000 (10% a.a.) e que
as importações cresçam mais
lentamente (média de 5,7% a.a.
após 2000), devido a uma política comercial mais agressiva e eficiente, de forma a gerar um saldo
comercial crescente;
2) ainda assim, o aumento do
volume do déficit da conta serviços (principalmente juros e remessa de lucros e outros gastos
com fretes e turismo no exterior)
mantém em nível muito elevado
o déficit externo em conta corrente, que permanece acima de
4% do PIB durante todo o segundo mandato presidencial, só vindo a cair depois de 2003.
Os técnicos do governo até poderão discordar de detalhes da
simulação preparada pela LCA
Consultores, mas é impossível escapar da sua conclusão básica
sobre a dificuldade de reversão
do elevado grau de vulnerabilidade externa da economia brasileira sob as atuais linhas da política macroeconômica. Ressalta-
se que o mencionado exercício
adotou hipóteses bastantes benignas a respeito do cenário internacional, prevendo a manutenção do financiamento externo do déficit brasileiro sob taxas
de juros razoáveis e, além disso,
supôs que o déficit em fretes e turismo cairia em 1999 e cresceria
apenas moderadamente no período seguinte. Em resumo, mesmo sob condições muito favoráveis (em que o governo brasileiro
consiga cumprir satisfatoriamente o Plano de Estabilização
Fiscal e se reconstituam ao longo
de 1999 os ingressos de capitais e
financiamentos externos) a trajetória de recuperação da economia será, na melhor hipótese,
muito medíocre e persistirá sendo altamente vulnerável a mudanças no cenário global.
Deve-se, além disso, indagar se
-dada a atual política cambial- o desempenho comercial
projetado na simulação seria
viável apenas com base na contenção do crescimento interno e
utilização eficiente dos instrumentos contemporâneos de comércio exterior (e.g. antidumping, barreiras técnicas aceitáveis, meios aperfeiçoados de estímulo às exportações etc). O desempenho recente das exportações vem sendo decepcionante e
seria imprescindível que o governo, por meio do novo Ministério
do Desenvolvimento, acionasse
com muita incisividade e velocidade esses instrumentos para
melhorar as expectativas a respeito do desempenho comercial.
Caso contrário, os agentes econômicos tenderão a reforçar o
ceticismo reinante a respeito da
sustentabilidade da trajetória da
taxa de câmbio. O governo FHC
tem diante de si uma última
chance para implementar uma
correção de rumos sob seu controle -se não o fizer logo, e se as
condições externas não ajudarem, poderá ser levado de roldão
pela desconfiança impiedosa dos
mercados.
²
Luciano Coutinho, 53, é professor titular do
Instituto de Economia da Universidade de
Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do
Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).
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