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FRANCISCO GONZÁLEZ
O que os bancos podem aprender com a crise
O problema não é a falta
de regulamentação; o
verdadeiro desafio seria
aplicá-la da maneira correta
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NOS ÚLTIMOS anos, vem surgindo uma desconexão crescente entre a economia real
e a financeira. A real cresceu em ritmo enérgico, mas não comparável
ao da financeira, que se expandiu
mais rápido -até implodir.
A expansão do setor financeiro
surgiu em parte como resposta ao
dinamismo das atividades econômicas e em parte como resposta a um
período prolongado de juros baixos.
Mas houve também uma ascensão
na securitização e no desenvolvimento de veículos estruturados de
investimento, fundos de hedge e de
capital privado. Esses fatores foram
provavelmente o maior estímulo ao
multiplicador do crédito.
O processo foi conduzido por
agentes que cresceram em segmentos desregulamentados, sem levar
em conta princípios básicos de prudência e administração de risco.
Resultou disso subestimativa do
risco existente, bem como fluxos financeiros vultosos. Estes, por sua
vez, geraram nível insustentável de
endividamento e inflação de ativos.
A principal questão, porém, é como garantir que as atividades dos
agentes que aceitam altos riscos não
contaminem os balanços do setor
bancário tradicional. Porque o setor
bancário exerce papel fundamental
no sistema de pagamentos, há amplificação dos riscos sistêmicos
quando ele sofre abalos. Os efeitos
colaterais se expandem e passam a
afetar fluxos de crédito e poupança.
Além disso, são os bancos que têm
acesso direto à liquidez fornecida
por BCs e que agem como veículos
de transmissão para as mudanças de
política monetária.
Está claro que o problema não é a
falta de regulamentação. O verdadeiro desafio seria aplicar a regulamentação da maneira correta.
Diversas abordagens quanto a esse desafio deveriam ser examinadas.
Primeiro, enfrentar os riscos
quanto à liquidez e ao financiamento. É evidente que, em curto prazo,
os BCs precisarão continuar a oferecer ampla liquidez a fim de aliviar as
tensões nos mercados.
Além disso, tornou-se claro que
fiscais, grupos de auditoria, agências
de classificação de crédito e, acima
de tudo, as empresas terão de prestar mais atenção à forma correta de
administrar liquidez.
Segundo, a avaliação incorreta dos
riscos. Os modelos de avaliação melhoraram no período de preparação
para as regras de adequação de capital Basiléia 2, que entrarão em vigor
em breve. A atual crise, no entanto,
revelou que eles sofrem limitações.
A terceira é garantir que os incentivos oferecidos aos agentes acatem
alguns princípios básicos da prudência financeira.
Outra área que precisará ser revisitada é a remuneração de executivos, para garantir que, no futuro,
eles reflitam adequadamente o desempenho em médio e longo prazo.
Quarto, é necessário reforçar a
transparência quanto ao nível de exposição dos bancos.
Por fim, e mais importante, a crise
ilustra a relevância e a utilidade dos
princípios, em contraposição às regras, mesmo que essas sejam precisas. Todas as decisões e ações dos intermediários financeiros precisam
ser moral e socialmente aceitáveis, e
não apenas válidas em termos legais.
O conjunto de problemas é complexo. Mas a boa notícia é que a crise
explodiu numa fase de crescimento
mundial robusto e antes que pudesse causar danos duradouros.
Se aplicarmos o que aprendemos,
nossos mercados e empresas irão
dispor dos recursos para superar a
crise. Isso nos permitirá avançar para um ambiente financeiro mais forte, aproveitando as novas oportunidades oferecidas pela globalização e
pelos avanços tecnológicos.
FRANCISCO GONZÁLEZ é presidente-executivo e do conselho do BBVA. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Excepcionalmente, hoje, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE
SCHEINKMAN não é publicada.
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