São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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FRANCISCO GONZÁLEZ

O que os bancos podem aprender com a crise


O problema não é a falta de regulamentação; o verdadeiro desafio seria aplicá-la da maneira correta

NOS ÚLTIMOS anos, vem surgindo uma desconexão crescente entre a economia real e a financeira. A real cresceu em ritmo enérgico, mas não comparável ao da financeira, que se expandiu mais rápido -até implodir.
A expansão do setor financeiro surgiu em parte como resposta ao dinamismo das atividades econômicas e em parte como resposta a um período prolongado de juros baixos. Mas houve também uma ascensão na securitização e no desenvolvimento de veículos estruturados de investimento, fundos de hedge e de capital privado. Esses fatores foram provavelmente o maior estímulo ao multiplicador do crédito.
O processo foi conduzido por agentes que cresceram em segmentos desregulamentados, sem levar em conta princípios básicos de prudência e administração de risco.
Resultou disso subestimativa do risco existente, bem como fluxos financeiros vultosos. Estes, por sua vez, geraram nível insustentável de endividamento e inflação de ativos.
A principal questão, porém, é como garantir que as atividades dos agentes que aceitam altos riscos não contaminem os balanços do setor bancário tradicional. Porque o setor bancário exerce papel fundamental no sistema de pagamentos, há amplificação dos riscos sistêmicos quando ele sofre abalos. Os efeitos colaterais se expandem e passam a afetar fluxos de crédito e poupança.
Além disso, são os bancos que têm acesso direto à liquidez fornecida por BCs e que agem como veículos de transmissão para as mudanças de política monetária.
Está claro que o problema não é a falta de regulamentação. O verdadeiro desafio seria aplicar a regulamentação da maneira correta.
Diversas abordagens quanto a esse desafio deveriam ser examinadas.
Primeiro, enfrentar os riscos quanto à liquidez e ao financiamento. É evidente que, em curto prazo, os BCs precisarão continuar a oferecer ampla liquidez a fim de aliviar as tensões nos mercados.
Além disso, tornou-se claro que fiscais, grupos de auditoria, agências de classificação de crédito e, acima de tudo, as empresas terão de prestar mais atenção à forma correta de administrar liquidez.
Segundo, a avaliação incorreta dos riscos. Os modelos de avaliação melhoraram no período de preparação para as regras de adequação de capital Basiléia 2, que entrarão em vigor em breve. A atual crise, no entanto, revelou que eles sofrem limitações.
A terceira é garantir que os incentivos oferecidos aos agentes acatem alguns princípios básicos da prudência financeira.
Outra área que precisará ser revisitada é a remuneração de executivos, para garantir que, no futuro, eles reflitam adequadamente o desempenho em médio e longo prazo.
Quarto, é necessário reforçar a transparência quanto ao nível de exposição dos bancos.
Por fim, e mais importante, a crise ilustra a relevância e a utilidade dos princípios, em contraposição às regras, mesmo que essas sejam precisas. Todas as decisões e ações dos intermediários financeiros precisam ser moral e socialmente aceitáveis, e não apenas válidas em termos legais.
O conjunto de problemas é complexo. Mas a boa notícia é que a crise explodiu numa fase de crescimento mundial robusto e antes que pudesse causar danos duradouros.
Se aplicarmos o que aprendemos, nossos mercados e empresas irão dispor dos recursos para superar a crise. Isso nos permitirá avançar para um ambiente financeiro mais forte, aproveitando as novas oportunidades oferecidas pela globalização e pelos avanços tecnológicos.


FRANCISCO GONZÁLEZ é presidente-executivo e do conselho do BBVA. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Excepcionalmente, hoje, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.


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