São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

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Brasil critica onda protecionista na OMC

Em discurso, embaixador brasileiro faz ameaça velada aos EUA e à União Europeia de recorrer ao tribunal da entidade

Protesto recebeu apoio de países como China e Índia; eventual litígio é visto pelo Itamaraty como "última opção" a ser usada pelo país


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

A reunião de ontem da OMC (Organização Mundial do Comércio) se transformou num protesto contra a ameaça protecionista do mundo desenvolvido, e o embaixador brasileiro junto à entidade, Roberto Azevedo, fez uma advertência velada aos EUA e à União Europeia: caso se sinta prejudicado, o Brasil poderá recorrer ao Mecanismo de Solução de Controvérsia da própria OMC.
"O Brasil está analisando cuidadosamente os fundamentos legais e os impactos comerciais das medidas [da UE e dos EUA] e está pronto a defender todos os seus direitos dentro do sistema da OMC", disse o embaixador em seu discurso, sem citar explicitamente, nesse trecho, os dois alvos da ameaça velada, os EUA e a UE.
Por telefone, Azevedo esmiuçou para a Folha o seu recado aos países ricos: "Não achem que vamos ficar de braços cruzados, engolindo qualquer medida. Se detectarmos medidas que violem as disciplinas da OMC e afetem os interesses brasileiros, poderemos agir a qualquer momento, acionando o Mecanismo de Solução de Controvérsia".
Recorrer a esse mecanismo significa iniciar um processo de litígio e abrir um "panel" (formalizar um questionamento), que pode acabar em última instância em retaliações comerciais. O Brasil, porém, não pensou em nenhum momento em acionar a OMC ontem mesmo, como chegou a ser divulgado, e sabe muito bem o quanto um processo desse gênero é difícil e lento. Seria a última opção, em caso extremo.
A ameaça e o tom do embaixador repetem os da nota que o Itamaraty divulgou na última sexta-feira, admitindo recorrer a "ações necessárias" contra medidas protecionistas que afetem as exportações brasileiras. A nota foi explicitamente dirigida aos EUA, que tentam incluir a cláusula "Buy american" (comprar produtos americanos) no pacote em tramitação no Congresso.
Se a cláusula for exclusivamente em relação a compras governamentais, o Brasil terá que engolir calado, pois adota medidas protecionistas e não é signatário do acordo nessa área selado na OMC. Mas há dúvidas sobre sua extensão.

Lamy e o diabo
Na reunião de ontem, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, apresentou um documento enumerando as medidas que todos os países vinculados vêm tomando contra a crise econômica e ressaltou: "O diabo está nos detalhes".
Azevedo ressaltou no seu discurso que há várias formas de protecionismo: "Não é só aumentar tarifas ou estabelecer controles de importação", disse ele, clamando pela conclusão da Rodada Doha de comércio.
Ele já tinha ensaiado uma manifestação dura contra o protecionismo na reunião do conselho da OMC, na semana passada, e recebeu apoios e adesões ontem. "Uma avalanche", disse, partindo de países muito diferentes, como Índia, China, México, Uruguai e Coreia. A exceção foram justamente os EUA e a UE.
"É uma defesa preventiva", disse ele no telefonema, explicando que o movimento iniciado em Genebra deverá ganhar contornos mais objetivos até a reunião do G-20 (países ricos mais países emergentes), em abril, em Londres.
O tema também deverá estar no topo da agenda do encontro que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá ter ainda neste primeiro semestre com o presidente dos EUA, Barack Obama, em Washington.


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