São Paulo, quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

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Problemas da montadora são "lição" ao Japão

MARTIN FACKLER
DO "NEW YORK TIMES", EM TÓQUIO

Quando Akio Toyoda, o presidente da Toyota, pediu desculpas pelos recalls que macularam a reputação de sua empresa, falou não apenas sobre o destino da companhia mas também sobre o de seu país.
No passado um dos maiores símbolos da ascensão japonesa ao pináculo do poderio econômico mundial, a Toyota se tornou um dos mais visíveis símbolos de seu declínio. E, mesmo antes dos recalls, os rivais japoneses na Coreia do Sul e na China haviam começado a superar o Japão em setores cruciais como semicondutores e televisores de telas planas.
Muitos economistas afirmam esperar que o trauma da Toyota se torne o golpe perturbador de que o Japão necessita para compreender que sua dependência da indústria e da exportação de produtos manufaturados, que serviu tão bem ao país depois da Segunda Guerra Mundial, já não é sábia.
Yukio Noguchi, professor da Universidade Waseda, em Tóquio, disse que o Japão precisará se tornar uma economia pós-industrial de serviços, uma transição dolorosa que os EUA e o Reino Unido empreenderam nos anos 80. Outros consideram que o Japão deveria se concentrar em produtos de alto preço e alto lucro, como robôs.
A Toyota é a maior companhia do Japão por faturamento (US$ 230 bilhões no ano passado) e nos últimos anos vem sendo a empresa mais lucrativa e o maior contribuinte do país.
A Toyota também é a maior anunciante do Japão e isso faz com que os grandes veículos de mídia temam criticá-la. Em 2008, o então presidente da Toyota chegou a ameaçar suspender os anúncios nos veículos "excessivamente críticos".

Orgulho ferido
A montadora desfrutou por longo tempo de status quase sagrado no Japão como a maior praticante do "monozukuri", um ideal secular de perfeição no artesanato, visto na cerâmica e na produção de espadas num passado distante do Japão. O possível definhamento desse ideal abalou a autoimagem da Toyota, gerando incômodo na mídia e preocupações quanto à economia.
Em termos mais amplos, isso pode acelerar uma transição que já estava a caminho, ainda que em câmera lenta, desde que começou a estagnação econômica japonesa, nos anos 90. Segundo o governo, a indústria respondeu por 22% da produção econômica total do país em 2008, ante 28% em 1990.
A transição se desacelerou nos anos 2000, quando a fraqueza do iene alimentou um boom de exportações que deu ao Japão seu maior período de crescimento desde a guerra.
No entanto, quando os consumidores dos EUA e de outros países reduziram suas compras de automóveis e televisores, o Japão se tornou a grande economia mais prejudicada. A participação da indústria na economia, porém, ainda continua bem acima dos 12% dos EUA. E poucos no país advogam uma mudança abrupta.
Em lugar disso, a sensação é a de que o Japão precisa encontrar um novo equilíbrio ao substituir suas indústrias convencionais por mais tecnologia da informação e software. Ao mesmo tempo, o Japão ainda pode desfrutar de suas vantagens como centro industrial de alta qualidade, mantendo produtos mais caros, como máquinas-ferramentas e tecnologias de energia alternativa.
Alguns afirmam que as companhias japonesas correm o risco de se obcecar demais com a engenharia sofisticada, a ponto de deixar de lado elementos que atraem os consumidores, tais como o design ou a facilidade de uso. Foi o que aconteceu à Sony, dizem, cujo walkman digital é um produto superior ao iPod em termos de engenharia, mas muito menos popular.
A mudança será difícil para o Japão, onde muitas autoridades parecem apegadas ao velho modelo da indústria pesada. Caso o país consiga realizar a transição, poderá se tornar um modelo. Mas, se fracassar, os economistas advertem que continuará a sofrer a concorrência de nações nas quais os salários são mais baixos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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