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ARTIGO
Fundo não está à altura de sua missão original
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Horst köhler , que acaba
de renunciar como diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, disse que aceitou a
candidatura ao cargo de presidente da Alemanha "com uma risada e lágrimas em um olho".
Muitos vão compartilhar esses
sentimentos. A forma da saída de
Köhler foi tão absurda e ultrajante
quanto sua chegada.
Em 2000, o chanceler alemão
Gerhard Schröder realizou uma
campanha feroz para colocar um
compatriota na chefia do FMI.
Derrotado por um veto norte-americano em sua tentativa de indicar Caio Koch-Weser, secretário de Estado no Ministério da
Economia, Schröder voltou-se
para Köhler, então chefe do Banco Europeu para Reconstrução e
Desenvolvimento. Os adversários
políticos do chanceler transformaram essa vitória em derrota ao
indicar Köhler para o cargo cerimonial de presidente. A Alemanha foi tão insensível na insistência para que um alemão chefiasse
o FMI quanto é paroquial hoje em
sua decisão de retirá-lo.
Köhler fez o melhor que pôde
como diretor-gerente. Mas todo
mundo sabia que ele não era a primeira opção de ninguém. Seu sucessor precisa da autoridade que
só pode vir de um processo de seleção mais aberto e transparente.
Mas certamente o motivo mais
importante para escolher o melhor líder possível é que ele (ou
ela) tem muito a fazer.
Existem, no meu entender, três
prioridades.
Primeiro, o FMI precisa reconsiderar a extensão em que se envolveu em empréstimos de longo
prazo para os países mais pobres.
Enquanto tem um papel significativo como conselheiro em política
macroeconômica, não estou convencido de que é adequado o FMI
se envolver pesadamente em empréstimos para aliviar a pobreza.
Segundo, o próximo diretor-gerente deve administrar as conseqüências das enormes exposições
acumuladas sob Köhler. No final
de 2003, apenas três países (Brasil,
Turquia e Argentina) respondiam
por 72% de todo o crédito geral a
pagar. Os valores totais vencidos
para esses países são hoje de US$
67,6 bilhões em Direitos Especiais
de Saque, dos quais US$ 28,1 bilhões para o Brasil, US$ 23,7 bilhões para a Turquia e US$ 15,8
bilhões para a Argentina.
Os valores pendentes para esses
mutuários são 45% dos recursos
do FMI. Köhler apostou a fazenda. Ao fazê-lo, também cometeu
grandes erros, notadamente nos
empréstimos para a Argentina
em 2001. Acima de tudo, o Fundo
não tem fundos para empréstimos nessa escala. Ficou à mercê
de seus maiores devedores. A Argentina foi brilhante ao explorar
seu conhecimento da vulnerabilidade do FMI.
Finalmente, e mais importante,
o Fundo precisa demonstrar uma
liderança convincente sobre a
questão que ainda é sua razão de
ser: o ajuste da balança de pagamentos global.
No momento esse ajuste está
funcionando, ou melhor, não funcionando, da maneira mais peculiar: a economia mundial só atinge um razoável equilíbrio macroeconômico fazendo os EUA
aumentarem cada vez mais seu
déficit de conta corrente. Isso parece perverso em si e, com toda
probabilidade, é insustentável.
Podem-se encontrar duas explicações para esse fenômeno, ambas na competência do FMI: a fraqueza crônica da demanda na zona euro e no Japão; e o fracasso
dos mercados em fornecer um
fluxo de capital estável para os
emergentes. O primeiro desses
fracassos pode ser enfrentado
apenas tornando mais eficaz a vigilância do FMI. O segundo reflete algo ainda mais profundo: a determinação das economias emergentes a evitar a vulnerabilidade
aos mercados de capital que levou
a dolorosas crises financeiras.
Essas crises projetam uma longa
sombra. Muitas economias emergentes decidiram evitar os influxos de capital substanciais quase a
todo custo. Elas estão especialmente decididas a evitar o endividamento líquido no curto prazo.
Assim, tentam manter taxas de
câmbio competitivas, administrar o superávit de conta corrente
e reciclar fluxos de capital para reservas cambiais. A conseqüência
direta é que elas também acumularam reservas cambiais maciças.
Entre o início de 1998 e novembro
de 2003, os países asiáticos aumentaram suas reservas em moeda estrangeira em US$ 1,128 trilhão, enquanto o aumento no
mundo foi de US$ 1,344 trilhão.
Os recursos utilizáveis do FMI são
de apenas US$ 149 bilhões.
Esse fato tem duas conseqüências. A primeira é que investir em
reservas nessa escala, em vez de
contar com um mecanismo para
compartilhar reservas, como se
pretendia com a criação do FMI, é
intrinsecamente um desperdício.
A mais importante conseqüência
é que enquanto tantos países continuarem decididos a minimizar o
endividamento, o equilíbrio global provavelmente imporá um
enorme déficit de conta corrente
aos EUA e um acúmulo correspondentemente explosivo de demandas no curto prazo.
A conclusão lógica é que o FMI é
pequeno demais para servir a seu
objetivo essencial. A justificativa
para uma instituição capaz de fornecer crédito para países solventes quando eles enfrentam crises
de liquidez continua forte. No mínimo, o comportamento de muitas economias emergentes sugere
que elas acreditam que o acesso a
essa liquidez é realmente essencial. Mas, na ausência de um fundo global, ou, nesse sentido, regional, suficientemente grande
elas estão adotando a dispendiosa
prática do auto-seguro.
Hoje o FMI não pode fornecer a
liqüidez necessária. Não significa
que não tenha mais nada a fazer.
Mas garante que a economia
mundial não funcione tão bem
quanto deveria. O próximo chefe
do FMI precisa assumir a liderança intelectual sobre isso, o mais
premente desafio na macroeconomia global. Estará à altura do
trabalho? De certa forma, duvido.
Tradução de Luiz Roberto
Mendes Gonçalves
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