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São Paulo, sábado, 10 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Oligopólio não é cartel

GESNER OLIVEIRA

Como as notícias foram boas em relação à inflação nesta semana, é possível respirar um pouco e discutir temas microeconômicos como os tão falados, mas pouco conhecidos, oligopólios.
Muita gente pensa que oligopólio é sinônimo de cartel, mas trata-se de dois conceitos distintos. O oligopólio constitui um regime específico de mercado, caracterizado pela presença de poucas empresas. É uma situação intermediária entre o monopólio -no qual há apenas uma empresa- e o mercado competitivo -com um número muito grande de participantes.
Não é crime ser oligopolista. A exemplo daquilo que ocorre em vários outros países, os oligopólios respondem pela maior parcela da produção brasileira.
Em contraste, o cartel constitui uma combinação entre agentes do mercado para aumentar preços, boicotar um concorrente efetivo ou potencial, dividir mercados ou fazer tudo isso ao mesmo tempo.
Como já foi lembrado nesta coluna, o próprio Adam Smith, pai do liberalismo econômico, alertou para a frequência e o risco do fenômeno em "Riqueza das Nações", ao afirmar que, "quando pessoas do mesmo ramo de negócios se encontram, mesmo para fins de lazer e diversão, a conversa termina em conspiração contra o interesse público mediante alguma forma de aumento de preços".
Cartel é crime contra a ordem econômica. Trata-se de interferência no mecanismo de mercado que reduz o bem-estar da sociedade. Sua ocorrência é mais provável quando há poucas empresas no mercado, comparativamente a uma situação em que há muitos competidores.
No entanto a jurisprudência antitruste contém exemplos de cartéis organizados por dezenas de empresas! Mesmo profissionais liberais podem, com ou sem a coordenação de suas respectivas associações de classe, cometer prática de cartel.
Não é fácil formar e muito menos manter um cartel. Alguns fatores ajudam. Mercados com poucas empresas, condições de demanda e tecnologia relativamente estáveis, relativa uniformidade dos custos dos participantes e possibilidade de monitoramento do acordo para evitar traições constituem elementos facilitadores do cartel.
Não é fácil flagrar e punir um cartel. As condições mencionadas estão presentes em inúmeros mercados. Seria absurdo presumir, com base apenas nesse fato, que esteja ocorrendo um cartel. Tampouco basta verificar que os preços das empresas concorrentes são similares ou se movem de forma semelhante para concluir que esteja ocorrendo uma ação cartelizada.
No passado, o governo iniciou uma série de processos com acusações genéricas de cartelização sem nenhum efeito prático, mas com elevado custo para a máquina administrativa e sobretudo para a segurança jurídica.
A interação estratégica entre empresas oligopolistas admite diversos resultados, requerendo análise econômica minuciosa antes de concluir apressadamente pela ocorrência de indícios de infração. Da mesma forma, o respeito ao devido processo legal e a obtenção de provas exigem sofisticação jurídica.
A atual administração está correta ao atribuir importância ao combate aos cartéis e procurar meios de aperfeiçoamento da legislação atual, em particular em relação aos chamados acordos de leniência. Mas, para isso, será imprescindível equipar os órgãos competentes dos ministérios da Justiça e da Fazenda com os recursos materiais e humanos necessários para cumprir tal missão.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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