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São Paulo, sábado, 10 de maio de 2003

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LUÍS NASSIF

Os cineastas e política cultural

O poder de "lobby" de alguns setores do cinema nacional foi exemplarmente demonstrado nesse episódio da manifestação de alguns cineastas cariocas contra o que tacharam de "dirigismo cultural" do governo na definição de critérios para a aplicação das verbas culturais das estatais.
O pretexto para o carnaval armado foi a decisão de uma estatal -a Eletrobrás- de colocar nas condições para patrocínio a inclusão de temas sociais. Foi uma decisão algo amadora, porém isolada. Por que esse carnaval todo?
O que está por trás disso é a tentativa de manutenção de um amplo processo de distorção na alocação dos incentivos à cultura.
No plano privado, a falta de diretrizes e normas adequadas permitiu às grandes empresas escoar, por meio da lei, suas despesas de marketing institucional. Nas estatais, o processo foi pior. Deveriam, no mínimo, seguir políticas de governo. Por tal, não se entenda atender demandas políticas, mas princípios de atuação, com regras claras de transparência e impessoalidade.
No ano passado, as verbas da BR Distribuidora para o cinema nacional superaram os R$ 50 milhões, muito mais que o dinheiro disponível do Ministério da Cultura. E no que resultou tudo isso? Certamente não em uma indústria de cinema consolidada. Com todo o investimento sendo bancado pelo contribuinte, os cineastas pouco se importaram em buscar o retorno nas bilheterias, em estimular a organização de uma produção profissionalizada. Não avançaram na montagem de estúdios, na promoção comercial do filme brasileiro no exterior.
Outra distorção extraordinária foi a apropriação do espaço público por grupos privados. Como as contribuições culturais para acervos públicos acabam caindo na vala comum dos cofres estaduais, foram constituídos clubes de amigos de diversas instituições, que passaram a receber as verbas e a serem beneficiários da exploração comercial de locais públicos.
Enquanto isso, a música popular brasileira, tendo penetração internacional, excelência, podendo cumprir papel econômico de exportação, diplomático e comercial, jamais mereceu política de governo.
É hora de pensar em correções de rumo nessas políticas de incentivo. É imoral em um país com as necessidades do Brasil que casas de show, programas de marketing de empresas e devaneios de cineastas sejam bancados quase integralmente com dinheiro do contribuinte.
Dinheiro de incentivos das estatais deve se submeter a políticas públicas discutidas de forma transparente. A idéia de trazer para as estatais a experiência de regulamentação adotada pela Petrobras na gestão passada, como pretende a Secom, pode ser útil.
Mas, para ser produtiva, seria importante que a atual direção da Petrobras abrisse os números e divulgasse os projetos aprovados no passado. Talvez aí se possa entender como, dispondo de todo esse mecanismo de transparência, além do famoso projeto Petrobrax (de troca de nome da empresa), a companhia bancou um "projeto cultural" de R$ 1,5 milhão para "remodelação visual" (troca de placas) do parque Beto Carrero.

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