|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
O papel(ão) dos juros
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O ministro Palocci, em momento de rara inspiração,
anunciou que os juros "já cumpriram o seu papel". O crescimento da economia estaria agora na
dependência do aumento do "PIB
potencial" do país e de uma
"agenda microeconômica".
Estranho, muito estranho. Mas
não posso reclamar. Afinal, o que
seria dos colunistas de economia
sem as intervenções folclóricas
dos nossos ministros da Fazenda?
Não quero nem pensar.
A nossa vida era dura no tempo
do ministro Malan, que se especializava em falar longamente,
com grande elegância e sofisticação, sem nada dizer de controvertido ou comprometedor. O brasileiro ouvia, extasiado, aquelas explanações. A economia podia ser
de Terceiro Mundo, mas o ministro da Fazenda era, indubitavelmente, de Primeiro. Palocci vai
pelo mesmo caminho, mas ainda
solta as suas pérolas de vez em
quando.
Vamos aproveitar, então. Ora,
não é difícil perceber que o papel
(ou papelão) das taxas de juro está longe de esgotado. Um deles,
justamente, é obstruir a expansão
do "PIB potencial", isto é, da capacidade de produção da economia.
A ampliação do potencial produtivo exige investimentos. Os investimentos públicos estão estrangulados pela situação financeira do governo. O famoso superávit primário não dá conta da
pesada carga de juros. Esta, por
sua vez, reflete em larga medida
as elevadas taxas de juro pagas
pelo setor público. Ou seja: os juros restringem a capacidade de
investir do governo.
O investimento do setor privado, por sua vez, continuará anêmico enquanto o crédito for escasso e caro. Com os juros escorchantes praticados pelo Banco
Central e pelo sistema bancário,
não há estímulo para investir.
Tanto mais que a maior parte dos
setores da economia apresenta
substancial capacidade de produção ociosa. Em outras palavras:
enquanto não houver maior
aproveitamento do potencial produtivo existente, o "PIB potencial" dificilmente aumentará em
ritmo apreciável.
O leitor dirá: "É o óbvio". Não
há dúvida. Mas o óbvio, leitor,
tem inimigos poderosos e implacáveis. Precisa, portanto, ser acarinhado e protegido.
Outra obviedade: os juros brasileiros são obscenos. As taxas básicas e os "spreads" bancários estão
sempre entre os mais altos do
mundo. E as taxas de crescimento
da economia, não por acaso, entre as mais baixas.
A que atribuir a enorme e persistente discrepância entre os juros brasileiros e os juros no resto
do planeta? O Brasil é, desse ponto de vista, um verdadeiro E.T. Os
nossos juros básicos estão em
16%, em termos nominais, contra
uma inflação (medida por índices
de preços ao consumidor) da ordem de 5% e uma inflação esperada em torno de 6,5%. A taxa
real de curto prazo vem flutuando entre 9% e 10%.
Nos EUA, a taxa de curto prazo
está em 1% e é negativa em termos reais. Na área do euro e no
Japão, o juro real está próximo de
zero.
Mas vamos deixar o Primeiro
Mundo de lado. Não precisamos
ir tão longe nem sonhar tão alto.
Países de nível de desenvolvimento comparável ou inferior ao do
Brasil praticam juros muito mais
razoáveis do que os nossos.
Alguns exemplos. Na China, a
taxa de juro nominal de curto
prazo é 2,8%; na Índia, 4,4%; na
Indonésia, 7,5%; na Malásia, 3%.
Na América Latina, o Brasil também se destaca. A taxa de curto
prazo da Argentina é 5,7%; a do
Chile, 1,7%; a do México, 6,4%; a
do Peru, 2,5%; a da Colômbia,
7,8%.
Os nossos obscenos juros e
"spreads" bancários desempenham ainda outro papel(ão): o de
contribuir para concentrar ainda
mais a renda nacional. Daí a sua
popularidade em certos meios. Os
beneficiários são os bancos, outros intermediários financeiros e
os detentores de ativos financeiros. Ou seja: quem lucra é a pequena minoria que já concentra
uma parte enorme da renda e da
riqueza do país.
Quem paga o pato? A população de baixa renda, que tem pouca ou nenhuma poupança. A
pouca poupança de que essas pessoas dispõem não é suficiente para proporcionar acesso às aplicações financeiras mais atraentes.
Quando podem comprar bens duráveis de consumo, são obrigadas
a arcar com as taxas de juro astronômicas que as instituições financeiras cobram das pessoas físicas. O pior é que muitos brasileiros pobres não têm acesso nem a
esses créditos extorsivos. Os seus
empregos foram ceifados pela
própria política de juros altos.
Enquanto isso, o ministro Palocci repete, complacentemente,
as máximas da "ortodoxia de galinheiro" que reina, incólume, no
Ministério da Fazenda e no Banco Central.
A conclusão é inescapável: o
medo venceu a esperança.
De goleada.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail: - pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Governo vê "estabilização" em 2004 Próximo Texto: Pré-Copom: Furlan vê espaço para juros caírem Índice
|