São Paulo, quinta-feira, 10 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O papel(ão) dos juros

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O ministro Palocci, em momento de rara inspiração, anunciou que os juros "já cumpriram o seu papel". O crescimento da economia estaria agora na dependência do aumento do "PIB potencial" do país e de uma "agenda microeconômica".
Estranho, muito estranho. Mas não posso reclamar. Afinal, o que seria dos colunistas de economia sem as intervenções folclóricas dos nossos ministros da Fazenda? Não quero nem pensar.
A nossa vida era dura no tempo do ministro Malan, que se especializava em falar longamente, com grande elegância e sofisticação, sem nada dizer de controvertido ou comprometedor. O brasileiro ouvia, extasiado, aquelas explanações. A economia podia ser de Terceiro Mundo, mas o ministro da Fazenda era, indubitavelmente, de Primeiro. Palocci vai pelo mesmo caminho, mas ainda solta as suas pérolas de vez em quando.
Vamos aproveitar, então. Ora, não é difícil perceber que o papel (ou papelão) das taxas de juro está longe de esgotado. Um deles, justamente, é obstruir a expansão do "PIB potencial", isto é, da capacidade de produção da economia.
A ampliação do potencial produtivo exige investimentos. Os investimentos públicos estão estrangulados pela situação financeira do governo. O famoso superávit primário não dá conta da pesada carga de juros. Esta, por sua vez, reflete em larga medida as elevadas taxas de juro pagas pelo setor público. Ou seja: os juros restringem a capacidade de investir do governo.
O investimento do setor privado, por sua vez, continuará anêmico enquanto o crédito for escasso e caro. Com os juros escorchantes praticados pelo Banco Central e pelo sistema bancário, não há estímulo para investir. Tanto mais que a maior parte dos setores da economia apresenta substancial capacidade de produção ociosa. Em outras palavras: enquanto não houver maior aproveitamento do potencial produtivo existente, o "PIB potencial" dificilmente aumentará em ritmo apreciável.
O leitor dirá: "É o óbvio". Não há dúvida. Mas o óbvio, leitor, tem inimigos poderosos e implacáveis. Precisa, portanto, ser acarinhado e protegido.
Outra obviedade: os juros brasileiros são obscenos. As taxas básicas e os "spreads" bancários estão sempre entre os mais altos do mundo. E as taxas de crescimento da economia, não por acaso, entre as mais baixas.
A que atribuir a enorme e persistente discrepância entre os juros brasileiros e os juros no resto do planeta? O Brasil é, desse ponto de vista, um verdadeiro E.T. Os nossos juros básicos estão em 16%, em termos nominais, contra uma inflação (medida por índices de preços ao consumidor) da ordem de 5% e uma inflação esperada em torno de 6,5%. A taxa real de curto prazo vem flutuando entre 9% e 10%.
Nos EUA, a taxa de curto prazo está em 1% e é negativa em termos reais. Na área do euro e no Japão, o juro real está próximo de zero.
Mas vamos deixar o Primeiro Mundo de lado. Não precisamos ir tão longe nem sonhar tão alto. Países de nível de desenvolvimento comparável ou inferior ao do Brasil praticam juros muito mais razoáveis do que os nossos.
Alguns exemplos. Na China, a taxa de juro nominal de curto prazo é 2,8%; na Índia, 4,4%; na Indonésia, 7,5%; na Malásia, 3%. Na América Latina, o Brasil também se destaca. A taxa de curto prazo da Argentina é 5,7%; a do Chile, 1,7%; a do México, 6,4%; a do Peru, 2,5%; a da Colômbia, 7,8%.
Os nossos obscenos juros e "spreads" bancários desempenham ainda outro papel(ão): o de contribuir para concentrar ainda mais a renda nacional. Daí a sua popularidade em certos meios. Os beneficiários são os bancos, outros intermediários financeiros e os detentores de ativos financeiros. Ou seja: quem lucra é a pequena minoria que já concentra uma parte enorme da renda e da riqueza do país.
Quem paga o pato? A população de baixa renda, que tem pouca ou nenhuma poupança. A pouca poupança de que essas pessoas dispõem não é suficiente para proporcionar acesso às aplicações financeiras mais atraentes. Quando podem comprar bens duráveis de consumo, são obrigadas a arcar com as taxas de juro astronômicas que as instituições financeiras cobram das pessoas físicas. O pior é que muitos brasileiros pobres não têm acesso nem a esses créditos extorsivos. Os seus empregos foram ceifados pela própria política de juros altos.
Enquanto isso, o ministro Palocci repete, complacentemente, as máximas da "ortodoxia de galinheiro" que reina, incólume, no Ministério da Fazenda e no Banco Central.
A conclusão é inescapável: o medo venceu a esperança.
De goleada.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail: - pnbjr@attglobal.net


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