São Paulo, segunda-feira, 10 de setembro de 2007

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Instituições mortas


FMI e Banco Mundial, que tinham funções definidas, tornaram-se meros braços do Tesouro americano

O FUNDO Monetário Internacional voltou aos jornais porque seu diretor-gerente, Rodrigo de Rato, demitiu-se sem explicar por que. Do seu lado, o Banco Mundial também andou pelas manchetes, mas de forma ainda mais constrangedora. Sei que esses episódios são circunstanciais, mas eles confirmam um fato: essas duas instituições estão mortas; não têm mais razão de ser.
O acordo de Bretton Woods, de 1944, baseado no princípio do câmbio fixo, entrou em colapso em 1971, quando o governo americano suspendeu a paridade do dólar. O Banco Mundial, por sua vez, se esvaziou quando, no início dos anos 1980, abandonou o desenvolvimentismo que o caracterizara desde a sua fundação e se transformou no principal agente de reformas neoliberais orientadas para o mercado. O Banco Mundial até essa época financiava principalmente investimentos dos Estados em infra-estrutura; a partir de então se passou a supor que o setor privado se encarregaria da tarefa. Some-se a isso o fato de que se tornava cada vez mais difícil para o banco obter recursos novos -de forma que se limitava a fazer a rolagem de empréstimos velhos- para compreendermos por que essa agência deixou de ser um banco de desenvolvimento para ser apenas instrumento de imposição de condicionalidades a países endividados.
O FMI poderia ter conservado seu papel de emprestador de última instância para países. Entretanto seus recursos deixaram há muito de serem suficientes para isso. Procurou transformar-se em guardião da estabilidade monetária, mas mesmo nesse ponto fracassou.
A partir do início dos anos 1990, participou da política de crescimento com poupança externa, ou seja, com déficit em conta corrente -uma política que causaria sucessivas crises de balanço de pagamentos nos países que a adotaram. Dessa forma, de guardião passou a promotor da instabilidade macroeconômica: passou a apoiar o populismo cambial que estava implícito nos déficits em conta corrente. E, mesmo em matéria fiscal, afrouxou, ao atribuir um papel secundário ao déficit público e só falar em déficit primário -um déficit consistente com elevado déficit público causado por juros.
A morte dessas instituições não é apenas metafórica. Muitos países em desenvolvimento perceberam o logro em que se meteram quando, nos anos 1970, e, novamente, nos anos 1990, procuraram crescer com poupança externa. Assim, no final dos anos 1990, eles depreciaram suas moedas e passaram a ter elevados superávits em conta corrente.
Pagaram os empréstimos ao FMI, e este, agora, sem receitas, tem dificuldades em pagar seus próprios funcionários.
Deveremos nos lamentar pelo esvaziamento do FMI e do Banco Mundial? Sim, se estivessem realmente realizando seus papéis -o primeiro, de emprestador de última instância, o segundo, de promotor do desenvolvimento. Em vez disso, porém, eles se tornaram meros braços do Tesouro americano. Ora, as políticas dos Estados Unidos em relação aos países em desenvolvimento mudaram radicalmente no final dos anos 1970. Abandonaram a relativa generosidade desenvolvimentista dos Trinta Anos Gloriosos, e passaram a ser as políticas de potência preocupada com a emergência de concorrentes. Em vez de cuidar de nossa própria vida nacional, poderíamos lamentar a mudança dos EUA e esperar deles maior benevolência... Fica aos leitores a escolha da alternativa.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br

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