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São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A economia global em transformação

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Na semana passada, refletimos sobre o período de incertezas que vem dominando a economia mundial nestas últimas semanas. A causa principal das dúvidas que dominam as mentes de analistas e investidores são as dificuldades por que passa a economia norte-americana na era George W. Bush.
As importações americanas são hoje o principal motor do desenvolvimento de um grande número de países espalhados pela Europa, Ásia e América Latina. As condições do financiamento de seus déficits gêmeos -o fiscal e o da conta corrente- definem as pulsações desse gigantesco mercado de poupança global que existe hoje. Os EUA já são os grandes devedores mundiais, e o dólar é a única moeda internacional que conta.
A maior economia do mundo vive hoje os efeitos das grandes transformações tecnológicas que ocorreram nos anos 90 do século passado. A digitalização do som e os avanços nos sistemas de telecomunicações, principalmente os ligados à internet, tiveram efeitos extraordinários sobre seu sistema de produção de bens e serviços.
Nesse novo mundo digital, que foi construído ao longo dos últimos anos, a economia de mercado mostrou sua enorme capacidade de se inovar. Os ganhos de produtividade em relação à mão-de-obra e os níveis de estoque necessários para realizar a produção de bens e serviços tiveram impacto extraordinário sobre os custos de produção.
Mas foi no campo da concorrência que os ganhos foram mais impressionantes. Ao permitir ampliar, em escala mundial, os mercados para a compra de matérias-primas, de produtos intermediários e mesmo bens finais, esse sistema global de telecomunicações está revolucionando o funcionamento de mercados importantes.
Vamos acompanhar um pouco o que vem acontecendo com a Wal-Mart, a maior empresa de varejo dos EUA. Essa empresa liderou os investimentos na construção de uma rede mundial de fornecedores investindo dezenas de bilhões de dólares nos últimos anos. Hoje colhe os frutos dessa ousadia, deixando para trás seus concorrentes mais importantes.
Suas compras são hoje realizadas no mundo todo por meio de leilões eletrônicos em sua rede de comunicações. Na compra de um lote de camisas pólo, por exemplo, seus fornecedores em países tão distantes como Tailândia ou Bangladesh fazem seus lances eletrônicos e esperam pelo resultado. Ganhadores, eles produzem as encomendas em seus países e as enviam diretamente para cada uma das lojas da Wal-Mart, por meio de uma empresa especializada em logística.
Como sempre acontece nas economias de mercado, as grandes transformações tecnológicas acabam chegando ao chamado nível macroeconômico. Esses enormes ganhos de eficiência, com a ampliação dos mercados pela interligação eletrônica dos espaços nacionais de produção de bens e serviços, estão produzindo nos Estados Unidos efeitos dramáticos sobre o nível de emprego e salários e balança comercial.
A recuperação da maior economia do mundo, que vem ocorrendo nos últimos trimestres, está se realizando com uma destruição de postos de trabalho, pequeno aumento dos salários nominais, deflação nos setores competitivos e aumento das importações. O aumento do consumo dos americanos, provocado por juros próximos de zero e redução de impostos, está sendo canalizado para bens produzidos, em parte ou integralmente, em países com custo de mão-de-obra muito abaixo do que prevalece nos EUA.
O processo de aumento da competição no mercado eletrônico ainda é assimétrico. As empresas americanas lideram esse processo de transferência, para países da periferia, de parte de sua produção de bens e serviços. Por isso, os reflexos desse novo sistema no equilíbrio macroeconômico na economia dos Estados Unidos têm sido mais dramáticos.
Como a história sempre apronta das suas, a percepção dessas mudanças está ocorrendo em um período eleitoral no qual o presidente George W. Bush está enfrentando problemas com o fracasso de sua aventura militar no Iraque. As pressões políticas e de opinião pública para que sejam tomadas medidas unilaterais para interromper a destruição de empregos americanos serão um duro teste para as convicções de livre comércio internacional da única potência mundial dos dias de hoje.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br E-mail - lcmb2@terra.com.br



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