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São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Brigitte Bardot

JOÃO SAYAD

Há sinais de que começamos a crescer -estamos vendendo mais geladeiras e televisões, exportando mais e importando equipamentos. Apenas o desemprego permanece igual.
O que é desenvolvimento sustentado?
Você se apaixonou por Brigitte Bardot. Aquele jeito de criança misturado com mulher, a atitude desaforada e ingênua, tudo se tornou uma obsessão. Casou-se. Imaginou que, à noite, dormiria com a mulher sensual, alucinada e imprevisível. De dia, esperava equilíbrio emocional, boa administração doméstica e sabedoria. Seus desejos, como sempre, são contraditórios.
Você pode escolher dois finais alternativos para o sonho.
Numa alternativa, Brigitte Bardot cercada pelas crianças e com avental todo sujo de ovo recebe você na volta do trabalho, um pouco cansada. Mas a casa está em ordem, seus chinelos, esperando. Você pode ler o jornal sossegado sem que ela reclame de seu silêncio ou queira sair para jantar fora. Bardot virou uma frustração!
Noutro caso, sua mulher continua sendo a Brigitte Bardot de sempre, insinuante, enigmática e irresistível. Você chega em casa atormentado de desejo. Ela faz charme para o seu amigo que você encontrou no restaurante. Você se torna cada vez mais ciumento, possessivo e começa a brigar. O sonho se realizou e sua vida se transformou num inferno.
A economia capitalista é uma máquina incontrolável de crescimento, que inventa constantemente novos produtos, novas formas de produzir, que modificam a vida familiar, introduzem novos costumes, mudam as pessoas de cidade, de casa e de trabalho. É uma sociedade em que todos procuram constantemente ser o maior, o melhor, o mais alto, o mais largo, o mais bonito. Em que o lucro é sempre insuficiente e precisa sempre crescer.
Será que essa economia pode apresentar crescimento equilibrado -crescendo a taxas constantes e suficientes para absorver os empregos necessários para os jovens que entram no mercado, com equilíbrio no balanço de pagamentos e sem inflação?
Há crescimento equilibrado, com "fundamentos sólidos", isto é, sem crises financeiras, sem apostas equivocadas (a internet dará lucros astronômicos, a "nova economia" não depende de juros, o dólar não será desvalorizado, os preços dos imóveis não pararão de subir e assim por diante) em que o futuro previsto é igual ao realizado?
O sonho de desenvolvimento sustentado se parece com o casamento idealizado com a Brigitte Bardot. Ou é um crescimento mirrado, contido, ordeiro, sem inflação, sem desequilíbrio. Ou é desenvolvimento, cheio de problemas gerados por ele mesmo.
Para que ele seja sustentado, isto é, que dure muito tempo e incentive investimentos que dêem lucro, é preciso, em primeiro lugar, que a massa de salários cresça pelo menos a taxas iguais ao crescimento do produto. No caso brasileiro e no caso americano atual , isso ainda não está acontecendo.
No caso brasileiro, para que a inflação não se torne um problema e volte a gerar como reação juros altos e câmbio baixo, é preciso que as exportações cresçam mais depressa do que as importações e que o país acumule reservas em dólares que o protejam das crises externas e do aumento das importações decorrente da expansão da economia. No caso atual, perdemos a oportunidade do início de 2003 e recomeçamos a crescer com câmbio muito barato.
Além do câmbio, devemos estar preparados para novos desequilíbrios se o crescimento atual se mostrar mais vigoroso. Os gastos sociais do governo e os investimentos públicos precisam crescer, o que requer economia nas despesas com juros, isto é, juros muito menores.
Devemos estar preparados para novos desequilíbrios e problemas desconhecidos. Vai faltar energia? O que vai acontecer com o transporte ferroviário? E com a oferta de habitações? Como será a próxima crise internacional? Recuperação do dólar ou o euro continuará se valorizando?
A maior ameaça à pequena retomada de crescimento da economia que estamos observando é o medo. Que na próxima crise externa, no primeiro gargalo (transportes ou energia?) ou na primeira ameaça de inflação um pouco maior (provocada pelo câmbio ou pelas tarifas públicas?) a política econômica fixe juros mais altos e mais superávit primário.
Seria como espancar a Brigitte Bardot quando ela faz charme para o seu amigo. Ela se submete ao seu machismo, transforma-se em Amélia e voltamos à estabilidade sem crescimento.


João Sayad, 57, economista, é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - jsayad@attglobal.net


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