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OPINIÃO ECONÔMICA
Bush e o Brasil
PAULO RABELLO DE CASTRO
A democracia tem dessas
coisas. O Bush do primeiro
mandato, há quatro anos, vencedor apenas no tapetão eleitoral,
mas perdedor por votos contados,
passa à história neste ano como o
Bush da preferência popular dos
americanos. O resto do mundo
-salvo os que, como Bin Laden e
seu séqüito assassino, torcem pela
ruína da nação do Tio Sam- se
recolhe em tristes conjunturas sobre a saúde da economia mundial e o destino das liberdades democráticas, diante do triunfo belicista acolitado pela vontade de
uma maioria forjada pelo medo.
Poucas vezes, nas últimas décadas, a economia dos EUA esteve
tão desequilibrada nos seus aspectos essenciais. O déficit externo
americano é espetacular: aproxima-se de 6% do PIB, o que provoca a necessidade de financiar esse
desequilíbrio pelas remessas de
capital que o mundo todo faz ao
comprar títulos da dívida do governo. As pantagruélicas importações dos americanos sustentam
a máquina exportadora asiática,
em especial a da China, que devolve esses ganhos, comprando os
"bonds" americanos. Viram, assim, os asiáticos, credores do Tio
Sam. Para tentar reequilibrar o
tremendo rombo do seu comércio
externo, agravado pelo dispêndio
da guerra, o todo-poderoso dólar
se desvaloriza diante do euro, do
iene e agora também da moeda
chinesa, o yuan.
Mas a queda do dólar pune os
aplicadores estrangeiros que financiam os EUA. Como recompensá-los, senão elevando os juros
pagos nas transações financeiras
em dólar? Esse é o desafio a ser
enfrentado por Bush no seu segundo mandato. Acontece que o
quadro doméstico americano tem
um agravante: o déficit fiscal provocado pelo corte de impostos e
pela despesa da campanha no
Iraque. Bush conseguiu um prodígio no primeiro mandato. No
quadriênio que agora se encerra,
conseguiu inverter um superávit
fiscal alcançado por Bill Clinton e
afundou a economia de novo
num déficit fiscal recorde de quase 5% do PIB, colocando os EUA
na corrida para o subdesenvolvimento fiscal.
A conjugação desses dois déficits põe uma pressão extra sobre o
orçamento das famílias americanas. O Fed, banco central dos
EUA, chefiado por um afiadíssimo maestro do abismo, trouxe os
juros básicos para 1%, facilitando, assim, o refinanciamento generalizado de todo o setor privado, assim evitando -ou, talvez
apenas postergando- o dia do
juízo final, quando as contas de
um país que gasta muito acima
de suas possibilidades terão que
ser ajustadas ao nível da realidade.
Os que ficamos abaixo da linha
do Equador, como o Brasil, já começamos a sentir os efeitos dramáticos dos ajustes que o "mercado" determinará. Sofrerão justos
pelos pecadores, como é de praxe.
Os justos que forem desatentos,
desalinhados ou deslumbrados
sofrerão um pouco mais. Estamos
entre esses últimos. Nossa política
econômica é desatenta aos movimentos do ciclo de negócios mundial porque encolhemos quando
devíamos nos expandir e expandimos, em geral, fora de compasso com o resto do mundo.
Somos desalinhados porque
nosso câmbio raramente reflete
as intenções verdadeiras de um
país pobre, mas produtivo: deixamos o câmbio valorizar-se para
dar sobrevida aos projetos políticos do partido de ocasião para, logo depois, desvalorizar ruinosamente a moeda, com repercussão
negativa sobre a inflação e os juros domésticos.
Enfim, somos deslumbrados por
acreditar na nossa própria mentira. Pensamos ser possível ajustar
um país com sério desequilíbrio
fiscal por meio da política de juros, embora o remédio termine
por matar o paciente.
Por tudo isso, enquanto os EUA
se preparam para iniciar uma
longa marcha rumo à decadência
econômica, outros países avançam, mesmo com dificuldade, para disputar parte desse espaço
possível num futuro qualquer.
São países como Índia, Rússia, e
principalmente, a China. O Brasil
poderia ser um deles. Mas preferiu tomar o caminho caudatário
do império decadente. Novas e
mais sutis propostas de atrelamento incondicional da economia tupiniquim se esboçam, das
quais a mais perigosa é a que defende a adoção, no Brasil, da conversibilidade "à la Argentina".
Haja burro pra tantos Cavallos!
Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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