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OPINIÃO ECONÔMICA
Lula, Vanda e papos natalinos
PAULO RABELLO DE CASTRO
Com a mesma simplicidade
que Lula consegue traduzir
temas complexos na sua oratória
presidencial aos atentos auditórios, assim também o Brasil inteiro verbalizará conceitos sobre a
figura do presidente e seu governo
em torno das animadas mesas de
confraternização, como sempre
ocorre em época de Natal. São os
papos natalinos, sendo impossível
deles excluir uma avaliação dessa
extraordinária novidade que têm
sido Lula e o PT no exercício do
mais alto estágio de poder da República.
Avaliação parcial, preliminar
mesmo, recheada de heranças do
governo anterior, mas, afinal,
uma opinião sensorial do povo
brasileiro, que chega ao final de
mais um ano sacrificado e, com o
peso das frustrações populares,
que não são poucas, senta-se para
compartilhar uns minutos de lazer com a família, com amigos, e
jogar uma conversa fora.
Foi o que fizemos lá em casa no
último fim de semana, num Natal
antecipado pelo calendário de
viagens de alguns membros da família. E o papo rolou para o lado
da política, como não poderia
deixar de acontecer.
Éramos dez adultos à mesa, na
maioria jovens, no início de sua
carreira profissional, praticamente todos exercendo alguma atividade por conta própria. Uma
amostra estatisticamente viesada
e incompleta da opinião "média"
brasileira, mas, ainda assim, um
painel interessante. Resolvi arriscar, então, a pergunta que me cativava para esta coluna: "E o Lula, o que vocês achariam de positivo -vejam bem- dele e do seu
primeiro ano de governo?".
O tom talvez meio professoral
da pergunta, no meio daquele belo cozido de fim de ano, colocou a
mesa em guarda por alguns momentos ("Será que a conversa iria
ficar séria de repente?"), mas veio
logo o genro simpático para calibrar o sentido informal daquela
pesquisa improvisada. "Acho"
-disparou ele- "que o melhor
dia do Lula até hoje foi o primeiro, porque nunca vi tanta gente
alegre e esperançosa como naquela posse em Brasília. Para mim,
isso foi o mais positivo dele até
agora."
Pensei com meus botões: "Gostei dessa resposta. Dá para pensar". Mas aí o resto da turma perdeu a inibição e pulou dentro,
com variadas visões do lado positivo do Lula ano um. "A cultura",
lembrou uma filha. "Lula, de fato,
valorizou o lado artístico e cultural, e isso foi muito bom." "Vejo
como principal" -lembrava outra- "que o Lula se vendeu muito bem lá fora, ele e o Brasil, afastando aquele medo que os estrangeiros tinham de um novo Fidel
barbudo. Ele recolocou a imagem
do país como uma democracia
que funciona."
O papo continuava a rolar com
comentários de parte a parte. Eu
apenas lembrava que o nome do
jogo era recordar o que de positivo houvesse, nada de negativo. A
marqueteira da casa esperava seu
momento. Quando houve uma
deixa, ela atalhou: "Para mim,
Lula é o Senhor dos Bonés", e
trancou-se de novo na sua mudez, esperando as reações. A alusão-trocadilho ao livro e filme
"Senhor dos Anéis" foi instigante.
O presidente que veste a camisa
e põe o boné dos variados grupos
e movimentos sociais e de cidadania ajuda a colar a imagem de solidariedade e de presença do poder de Brasília às necessidades
mais visíveis do povo. Mas ali estava também, na sacada do Senhor dos Bonés, a crítica embutida ao lado marqueteiro do poder,
à falta de maior profundidade no
trato de qualquer questão, o lado
Andy Warhol dos temas nacionais na mídia presidencial.
A essa altura, uma rodada inteira à volta da mesa já acontecera, mas a ausência de certas menções me intrigava tanto quanto a
curiosidade das facetas lembradas da Presidência. Tive que interceder: "Mas e o Fome Zero,
gente?". Para quê! Protesto geral,
o Fome Zero não podia entrar na
lista de jeito nenhum. Ainda assim, aquela negativa me empurrava para ir um pouco mais além.
Era preciso recorrer a uma outra
bancada, e ali estava a inteligente
e eficiente Vanda, cozinheira e
mãe de numerosa família, que a
tudo acompanhava atentamente,
já que estávamos todos num só
ambiente integrado sala-cozinha.
Vanda, que tem gosto em opinar, apesar de discreta, não esperou segundo convite: "De positivo, mesmo, até agora, não vi nada, não". A assertividade cortante emudeceu os comensais.
Aos poucos, uns e outros tentamos voltar ao ringue, buscando
demover Vanda do seu ponto de
vista um tanto radical, mas ela
não arredou pé. Provocada, ela
crescia no debate: "Vocês não podem tratar o povo com cestinha
de Fome Zero, não. Quem quer
cestinha?". E emendava: "O povo
quer e precisa é de emprego. Mas
cadê o emprego? Gente, o emprego tá difícil, mesmo! Quase todo
mundo desempregado lá em volta
de casa!".
O protesto veemente encerrou a
pesquisa, mas não acabou com a
alegria da mesa de Natal. Não
obstante sua verve nordestina,
Vanda continuou muito bem-humorada e o cozido estava maravilhoso.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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