São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Agenda para o crescimento sustentável

ALOIZIO MERCADANTE

O governo Lula recebeu uma pesada herança da administração anterior, cujos indicadores negativos foram invertidos como resultado de um intenso esforço realizado em 2003. O aumento dos preços (IGP-M) que alcançou 25,3% no ano de 2002, ameaçando fugir ao controle da política econômica, reduziu-se para 8,7%. A carga tributária total, que em 2002 atingiu 35,9% do PIB, manteve-se em 2003, após ter-se elevado substancialmente ao longo dos últimos nove anos. A relação crédito interno/ PIB, que veio encolhendo desde 1994, quando foi de 55% e chegou a apenas 24,3% em 2002, começa a ser invertida. A relação dívida pública líquida/PIB de 56,3% em 2002, que vinha crescendo 7,3% ao ano nos oito anos passados, aumentou apenas 1,3% em 2003. Tivemos em 2003 o primeiro saldo positivo em transações correntes, da ordem de US$ 3,7 bilhões, após oito anos de resultados negativos. Por último, o acesso a fontes de crédito externo, que praticamente secara no segundo semestre de 2002, acha-se plenamente restabelecido, com o risco Brasil, que atingiu 2.400 pontos percentuais em fins de 2002, caindo significativamente para 410, com ritmo de queda mais rápido que a média dos emergentes.
A materialização das ações que garantirão a retomada e a continuidade do crescimento requer, entretanto, outras condições relacionadas com a situação econômico-financeira dos agentes econômicos, o contexto institucional em que atuarão e as expectativas em relação ao futuro. Também nesses aspectos os resultados já alcançados são muito promissores.
As grandes empresas brasileiras têm aumentado seus lucros, inclusive em virtude de aplicações financeiras. As empresas endividadas em moeda estrangeira, com a valorização da taxa de câmbio, fortaleceram sua situação patrimonial. As empresas exportadoras melhoraram seus índices de capitalização, graças ao excelente desempenho exportador do país.
Em oposição, as pequenas e médias empresas se defrontaram com uma demanda doméstica declinante e altos custos financeiros. A redução em marcha da taxa de juros nominal (sete reduções consecutivas) e a recuperação previsível do poder aquisitivo dos salários, uma vez retomado o crescimento, levarão ao aumento dos lucros desse estrato produtivo. As medidas governamentais em favor da expansão do microcrédito, assim como do crédito garantido pelos salários, já vêm atuando na mesma direção. A redução do IPI sobre veículos automotores, recentemente renovada por mais três meses, vem aumentando o nível de atividade da indústria automotiva e da vasta cadeia produtiva a ela ligada.
O BNDES, após profunda reestruturação, reassumiu seu papel de banco de desenvolvimento e, vencida a inércia inicial, já assume uma dinâmica apropriada à aceleração dos investimentos na infra-estrutura e na indústria, tendo já reduzido a TJLP de 12% para 11%. Com a conclusão da reestruturação de seu capital, será ampliada sua capacidade de concessão de empréstimos.
No plano institucional, com destaque para as reformas tributária e previdenciária, fez-se importante esforço na criação dos marcos legais requeridos para os investimentos produtivos. Acha-se no Congresso a MP do novo modelo do setor elétrico, com dois objetivos principais: redução dos riscos para os investidores na geração de energia e modicidade das tarifas.
O novo modelo das agências regulatórias, fundamental para a retomada dos investimentos nos serviços públicos, diferencia funcionalmente as agências, delimitando suas competências e criando mecanismos de controle de sua atuação por parte dos ministérios, sem prejudicar o grau de autonomia indispensável para que regulem e fiscalizem os mercados pertinentes.
A política industrial, recém-lançada, com foco central no aumento das exportações, visa a reproduzir desempenhos exportadores como o de 2003, contribuindo para a redução da vulnerabilidade externa. São méritos da nova política: a promoção da capacitação tecnológica como fator de diferenciação e de agregação de valor aos produtos, o tratamento articulado dos aspectos tecnológicos, comerciais e produtivos, assim como a promoção do desenvolvimento regional. Propõe-se também o apoio governamental aos segmentos produtivos intensivos em conhecimento: fármacos, softwares, semicondutores e bens de capital. Com isso, rompe-se com o comportamento dos últimos governos de não definir políticas industriais seletivas, cuja ausência resultou na fragilização do tecido industrial, prejudicou o desenvolvimento tecnológico e acarretou alta propensão à realização de déficits na balança comercial.
Para atrair investimentos privados aos serviços públicos essenciais, a exemplo de saneamento básico e rodovias, acha-se no Poder Legislativo projeto de lei que disciplina as parcerias público-privadas (PPPs), destinado a assegurar aos investidores garantias e taxas de retorno adequados.
A reforma tributária vai desonerar as exportações, a cesta básica e os investimentos produtivos. A substituição da tributação em cascata por impostos sobre o valor adicionado (Cofins, PIS-Pasep) e a redução da contribuição das empresas sobre a folha de pagamento desonerarão as exportações. A cesta básica e os bens de capital serão desonerados do ICMS e a alíquota da CPMF será reduzida gradativamente à medida que diminua a relação dívida pública/PIB.
É pertinente, portanto, alimentar expectativas otimistas. A sustentabilidade e a aceleração do crescimento estarão, no entanto, a depender do aprimoramento e do aprofundamento das ações já adotadas. É indispensável manter uma política cambial que assegure a estabilidade do câmbio e a competitividade das exportações, prosseguir com a redução da taxa real de juros, inclusive com a diminuição do "spread" bancário, assim como aumentar os investimentos públicos. A atenuação dos déficits sociais é parte essencial da etapa que agora se inicia, a começar com a redução do desemprego e da informalidade e a implementação de políticas sociais com a construção de um mercado de massa e a redução das desigualdades regionais e sociais na distribuição da renda.


Aloizio Mercadante, 49, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores e líder do governo no Senado Federal.

Internet: www.mercadante.com.br

E-mail: mercadante@mercadante.com.br




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