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LUÍS NASSIF
O centenário de Lalá
Ari Barroso e Lamartine
Babo tinham muitas coisas
em comum. A mais conhecida
delas é a música "No Rancho
Fundo", uma composição de Ari
que Lamartine substituiu a letra por outra dele, constituindo
um clássico.
Ambos são quase da mesma
idade e, ao lado de Noel Rosa,
foram os iniciadores da moderna música popular brasileira
urbana, uma era que se iniciou
em 1930, data redonda. Ambos
foram autores ecléticos de vários
ritmos e estão entre os maiores
compositores da história.
Dos anos 30 aos anos 70, não
houve ritmo da música brasileira em que ambos não tenham
dado contribuição essencial, da
marchinha à valsa, do samba-canção aos hinos futebolísticos.
Depois de tentativas de emprego formal, de ter passado pelo teatro de revista, convivendo
com Eduardo Souto e Bastos Tigre, Lamartine aproximou-se
do "Bando dos Tangarás", grupo composto por Noel, João de
Barro (o Braguinha) e Almirante, entre outros.
Junto com Noel e Ari Barroso
ingressariam no histórico ano
de 1930 revolucionando a música brasileira urbana, deixando
para trás a influência regionalista dos Turunas da Mauricéia
e o estilo de cantar de Augusto
Calheiros.
Lamartine foi quem primeiro
buscou nos compositores de Recife a base musical que gerou a
marchinha, primeira manifestação moderna da música popular, gênero que vicejou no Rio
de Janeiro a partir de 1930 e, durante duas décadas, foi mais relevante que o próprio samba.
Em 1932 colocou letra em "O
Teu Cabelo Não Nega" e "Linda
Morena" ("Linda morena, morena / morena que me faz sonhar") dos irmãos Valença,
consolidando a mesclagem da
música carioca urbana com o
frevo pernambucano, com um
pouco de influência das operetas, teatros de revista, para gerar uma das vertentes mais saborosas e criativas da música
brasileira.
Lembro, certa vez no Bar do
Alemão, em São Paulo, quando
apareceu Braguinha, letrista de
"Carinhoso" e autor de marchinhas memoráveis de Carnaval.
Saudamo-o como o rei do Carnaval. E ele, sem falsa modéstia,
disse: "Rei é o Lamartine Babo.
Eu sou seguidor".
Lamartine tinha a verve típica
carioca, assim como Noel, com
quem compôs "A, E, I, O, U", um
dos clássicos do carnaval carioca, e também "AB Surdo", uma
sátira ao futurismo ("Nasci na
Praia do vizinho, 86 vai fazer
um mês / vai fazer um mês / e
minha tia me emprestou cinco
mil réis / pra comprar pastéis
pra comprar pastéis / é futurismo, menina / é futurismo, menina / pois não é marcha / nem
aqui nem lá na China").
Outro clássico da marchinha
foi "Joujou Balagandans", a divertidíssima "Canção Para Inglês Ver" ("Ai loviu forguétiscleine meini itapiru / forguetifaive anda u dai xeu no bonde
Silva Manuel"), da mesma vertente em que Noel foi buscar
material para o "Cinema Falado".
Compôs talvez a mais bela
marcha carnavalesca da história, o "Hino do Carnaval Brasileiro" ("Salve a morena / a cor
morena do Brasil fagueiro / salve o pandeiro / que desce o morro pra fazer a marcação").
Ao lado de Assis Valente, Lamartine imperou também em
outra vertente rica da música
brasileira, a das canções juninas.
É dele uma das principais,
"Chegou a Hora da Fogueira"
("Chegou a hora da fogueira / é
noite de são João / o céu fica todo iluminado / fica o céu todo
estrelado / pintadinho de balão") e "Isto É Lá com Santo Antonio" ("Fui pedir numa oração
/ ao querido são João / que me
desse o matrimônio"), que minha mãe cantava com uma graça só dela.
Outro gênero clássico, o samba-canção, mereceu contribuições essenciais de Lamartine.
Não apenas "No Rancho Fundo", como "Serra da Boa Esperança", que compôs para um
dentista com quem se correspondia, pensando ser mulher.
Americano doente, foi autor
dos hinos dos principais clubes
cariocas, dos quais o mais conhecido foi o "Hino do Flamengo" ("Uma vez Flamengo / sempre Flamengo").
Na valsa, foi parceiro de Francisco Matoso em "Eu Sonhei que
Tu Estavas Tão Linda", de 1942.
Morreu em fevereiro de 1963,
quase no Carnaval, assim como
Ari Barroso.
E-mail: Luisnassif@uol.com.br
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