São Paulo, sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Olhando para o céu

A geração de energia hoje é a mesma de três anos atrás, o consumo é muito maior e o volume de chuvas é menor

FINALMENTE o governo reconhece os riscos de uma crise de energia nos próximos anos. Os sinais são hoje demais evidentes para serem escondidos da opinião pública. Nos últimos três dias, a imprensa escrita e falada acordou para o problema e passou a exercer sua função social de informar o cidadão comum sobre uma realidade que vinha sendo escondida pelas autoridades.
A crise que estamos vivendo é conhecida por quem acompanha esse assunto apenas com os olhos da racionalidade. Por obrigação profissional, venho seguindo a questão da energia elétrica de forma sistemática a partir de meados do ano passado. Para mim, a situação de hoje não representa uma surpresa, e o leitor da Folha sabe disso. O que me surpreende é a rapidez com que estamos convergindo para um cenário pessimista, mas pouco provável, que já existia havia algum tempo. Esse cenário de crise resulta da conjugação de alguns fatores que se agravaram nos últimos meses.
Os mais importantes são: o aumento do consumo em razão de um crescimento econômico mais acelerado e a ocorrência de um regime de chuvas bem menos favorável. Papel relevante na crise atual também tiveram decisões tomadas pelo governo Lula. Entre essas, as mais importantes foram a utilização do gás importado da Bolívia para outros fins que não a geração térmica de energia elétrica e o modelo de gestão do setor, implantado pelo governo Lula a partir de 2003.
Uma das lições importantes da crise do "apagão" de 2001 foi a necessidade de o país ter uma capacidade de geração de energia elétrica a partir da queima de gás. Esse sistema seria usado em momentos em que a geração de nossas hidrelétricas fosse reduzida em razão de um regime hídrico menos favorável. O consumidor passou a pagar na sua conta de energia um seguro para ter essa segurança. Mas, para que o instrumento possa ser eficaz, é necessária uma oferta de gás de reserva no mercado. Entretanto, ao longo do tempo, a Petrobras desviou esse gás para o consumo doméstico, em automóveis e para a indústria de maneira geral. Agora que é preciso acionar as termelétricas, ele não está mais disponível.
O outro fator determinante para a ocorrência dos riscos atuais foi a gestão soviética do setor, implantada em 2003. Chamo de gestão soviética o planejamento centralizado do governo, incluindo uma política de fixação de preços irrealistas para a energia de novos empreendimentos, mesmo os de responsabilidade do setor privado. Isso foi feito mesmo sabendo que as novas fontes de geração trariam custos e riscos crescentes, criando dois problemas: o primeiro é que não se permitiu uma geração de caixa positiva nas estatais do setor e que financiaria com recursos próprios novos investimentos; o segundo é que, ao fixar arbitrariamente os preços, sem considerar os riscos associados a esses novos empreendimentos, expulsou as empresas privadas do mercado de geração.
Com isso, os novos projetos não saíram do papel. Nos últimos três anos, não ocorreu um aumento necessário na nossa capacidade de geração para acompanhar a demanda. Além disso, o Brasil permitiu que fosse desviada para países do Mercosul uma parcela da energia gerada internamente e um volume razoável do gás boliviano. Resumo da ópera: a geração de energia hoje é a mesma de três anos atrás, o consumo é muito maior e o volume de chuvas é menor.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
lcmb2@terra.com.br


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