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OPINIÃO ECONÔMICA
Sobra mês no fim do salário
BENJAMIN STEINBRUCH
Lembro-me de um amigo,
Gastão, que não vejo há anos.
Classe média, vivia em constante
crise financeira. Ele e a mulher
trabalhavam, tinham razoável
renda familiar, mas sempre faltava dinheiro no fim do mês ou, como diria Millôr Fernandes, sobrava mês no fim do salário.
Gastão gastava mais do que ganhava, estourava o cheque especial, entrava no cartão de crédito
e vivia sempre dependendo de
ajuda externa. Só com juros, gastava uma nota todo o mês. Um
belo dia, esse amigo me pediu um
empréstimo para pagar no mês
seguinte. Um mês depois, com mil
desculpas, disse que não poderia
pagar e solicitou um novo empréstimo. A essa altura, eu já sabia que dificilmente receberia o
dinheiro do primeiro empréstimo. Por mais que gostasse dele,
pensei duas vezes, mas concordei.
Antes de concordar, porém,
chamei-o para uma conversa e
tentei incentivá-lo a fazer um
ajuste nas contas domésticas. Afinal, ele tinha boa renda mensal e,
enquanto não conseguia aumentá-la, precisava reduzir os gastos
de forma que pudesse equilibrar o
orçamento familiar e até garantir
uma sobra, para começar a pagar
as dívidas. Se tivesse seguido o
conselho, teria recuperado rapidamente a credibilidade e poderia até voltar a pedir dinheiro emprestado.
Meu amigo de ontem lembra
muito o Brasil de hoje pela necessidade de reformas. O Brasil, como Gastão, andou gastando mais
do que arrecadava durante muitos anos, acumulou uma dívida
enorme e paga uma fábula em juros. Para recuperar a credibilidade, enquanto não consegue aumentar as receitas, precisa cortar
despesas. Se fizer isso e começar a
quitar parte da dívida, voltará a
ter crédito para pleitear novos
empréstimos e financiar o almejado crescimento econômico.
É por isso que as reformas têm
sido um assunto tão frequente
neste início do governo Lula,
principalmente a da Previdência
e a do sistema tributário. O ideal
seria fazer a reforma tributária e
conseguir mais recursos para
equilibrar as contas. Mas isso é
impossível a curto prazo, porque
os brasileiros já estão afogados
em impostos e não há espaço para
aumentar a carga tributária. Então, a solução é começar por reformas que cortem despesas.
A Previdência é o principal ralo
por onde escoam os recursos da
União. No ano passado, o déficit
da Previdência foi de R$ 70 bilhões e este ano deve chegar a R$
80 bilhões. É um dispêndio inaceitável para um país que destina
apenas R$ 18 bilhões anuais para
a educação por ano. Fechar o ralo
da Previdência, portanto, é tarefa
urgente.
Ocorre que as resistências são
muito grandes. A maior parte do
déficit, cerca de R$ 54 bilhões, advém da previdência do setor público. A maioria dos 3 milhões de
pensionistas e aposentados do
serviço público recebe um benefício modesto, de um a três salários
mínimos mensais. Mas há privilégios inaceitáveis, de uma casta
que se aposenta com salário integral sem ter contribuído para isso
durante o período de trabalho.
Não se pode mexer em aposentadorias daqueles que já estão
aposentados. Esses têm direitos
adquiridos. Mas é possível e necessário mudar o sistema para
evitar que os privilégios continuem. A proposta apresentada
pelo ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, cria um sistema
único, pelo qual os novos servidores que ingressarem no setor público terão as mesmas obrigações
e os mesmos benefícios dos trabalhadores do setor privado. Para
aqueles que já estão no serviço
público, haveria uma contagem
proporcional ao tempo de serviço.
Quem já contribuiu, por exemplo,
durante 15 anos, teria metade de
sua aposentadoria calculada de
acordo com o sistema atual quando requerer o benefício, com 30
anos de serviço. A outra metade
seguiria as regras do novo sistema.
Cabe à sociedade brasileira julgar se a mudança é justa ou injusta. Com sabedoria, o presidente
Lula tem pressa, mas não afobação, por saber que o assunto é delicado. Deu 90 dias para que o ministro Berzoini faça consultas públicas e debata o tema no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
A palavra final, obviamente,
caberá ao Congresso. Em algum
momento deste ano, os parlamentares terão a responsabilidade de dizer se pretendem acabar
com privilégios que impedem o
crescimento da economia e a criação de empregos ou se, como meu
amigo Gastão, insistirão na idéia
suicida de manter gastos impagáveis para o país.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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