São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Preço dos ativos e economia real

Os preços dos ativos não são mais uma função dos movimentos da economia real, mas o contrário

AS ALTERAÇÕES ocorridas ao longo das três últimas décadas na estrutura da riqueza capitalista e na operação dos mercados financeiros tornaram mais complexas e contraditórias as políticas monetárias. Vou enumerá-las, sem a pretensão de ser exaustivo: 1) o maior peso da riqueza financeira na riqueza total; 2) o poder crescente dos administradores da massa ativos mobiliários (fundos mútuos, fundos de pensão, seguros) na definição das formas de utilização da "poupança" e do crédito; 3) a generalização da abertura das contas de capital, dos regimes de taxas flutuantes e do uso de derivativos; 4) as agências de classificação de risco assumem o papel de tribunais, com pretensões de julgar a qualidade das políticas econômicas nacionais.
A finança direta e "securitizada" ganhou, portanto, maior importância. A desregulamentação rompeu os diques impostos, depois da crise dos anos 30, à ação dos bancos comerciais, que voltaram a operar como supermercados financeiros. No mesmo movimento -desde o colapso do sistema de taxas de câmbio fixas no início dos anos 70-, os países centrais caminharam na direção de um sistema de taxas flutuantes. Tratava-se, na visão de muitos, de escapar das aporias da "trindade impossível", ou seja, da convivência entre taxas fixas, mobilidade de capitais e autonomia da política monetária doméstica.
Para os países de moeda conversível, sobretudo para o gestor da moeda central, a política monetária -encarnada num regime de metas de inflação ou algo similar- tornou-se um instrumento eficaz de estabilização do nível geral de preços.
Mas, ao mesmo tempo em que as taxas de inflação de bens e serviços produzidos retrocediam, ampliaram-se as possibilidades de ocorrência de "bolhas" nos mercados de crédito, provocando uma sucessão de episódios de "inflação" de ativos.
O analista americano Bill Gross, da Pimco, descobriu, um tanto tardiamente, que os preços dos ativos não são mais uma função dos movimentos da economia real. Justamente o contrário: "A economia real está sendo movida pelo preço dos ativos, os quais, por sua vez, são influenciados por fluxos financeiros de origem, composição e longevidade sem precedentes na história".
Gross está entre os analistas capazes de compreender que o crescimento dos fluxos financeiros já não explica completamente o processo de precificação dos ativos (e, portanto, das moedas). Nos mercados de hoje, a "generalização" do movimento de alta nos preços dos ativos -com forte compressão dos prêmios de risco- conta com a influência decisiva dos mercados de derivativos e com a expansão dos fundos de hedge que operam com elevada "alavancagem".
Na proporção em que cresce o apetite pelo risco, os rendimentos caem de forma generalizada. Os investidores correm para os mercados onde os diferenciais ainda são atraentes, fomentando o chamado "carry trade" entre os ativos de baixo rendimento dos países centrais e o rendimento mais elevado de alguns países periféricos.
Nesse ambiente favorável, o Brasil ainda ganhou de presente um generoso ciclo de preços de commodities. A experiência recente parece mostrar que, em tais circunstâncias, as autoridades monetárias conseguem dois resultados: valer-se da valorização do câmbio para levar rapidamente a inflação para uma banda de variação inferior àquela fixada atualmente e danar o crescimento econômico.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 64, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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