São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

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ARTIGO

Por que o pacote bancário de Obama vai fracassar


Novo plano de ajuda a bancos parece fazer sentido se e apenas se o principal problema for a falta de liquidez; mas o mais provável é que se trata de insolvência

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

A PRESIDÊNCIA de Barack Obama já fracassou? Em tempos normais, a pergunta seria ridícula. Mas não vivemos tempos normais. O momento é de perigo. Hoje, o novo governo ainda pode rejeitar a responsabilidade por aquilo que recebeu como legado; no futuro, isso já não será possível. Hoje, ainda é capaz de oferecer soluções; amanhã, vai ter se tornado o problema. Hoje, está em controle dos acontecimentos; amanhã, os acontecimentos o controlarão. Agir de menos é mais arriscado, agora, que agir demais. Caso Obama não aja de maneira decidida, corre o risco de se ver esmagado ao peso da crise, como seu predecessor. Os custos de outra Presidência fracassada, para os EUA e para o mundo, são elevados demais para que possamos contemplá-los.
O que seria necessário? A resposta é: foco e ferocidade. Caso Obama não resolva a crise, toda a esperança sobre sua Presidência estará perdida. Caso o faça, estará livre para reformular a agenda nacional. Mas simplesmente esperar pelo melhor é tolice. O presidente deveria esperar pelo pior e agir como se fosse isso que receberá.
Mas esperar pelo melhor é o que vemos por trás do pacote de estímulo e -a julgar das escassas informações oferecidas pelo secretário do Tesouro, Tim Geithner, ontem- também do novo pacote para solucionar a crise do setor bancário.
O programa de socorro aos bancos parece ser mais uma vez filho das fracassadas intervenções dos últimos 18 meses: otimista e ineficiente. Se esse "rebento do programa de alívio de ativos problemáticos" fracassar, a credibilidade de Obama estará arruinada. Agora é o momento de ações que sejam a solução certeira para o problema; e as medidas propostas não aparentam ser a resposta.
Ao longo de todo o debate, houve duas posições contrastantes sobre a causa dos males do sistema financeiro. A primeira é que o problema é de pânico. A segunda é que o problema envolve insolvência.
De acordo com a primeira interpretação, os preços de um conjunto definido de "ativos tóxicos" caíram para abaixo de seu valor em longo prazo, o que em alguns prazos os tornou impossíveis de vender. A solução, muita gente sugere, é que o governo crie um mercado, comprando ativos ou garantindo os bancos contra prejuízos. Esse raciocínio embasou o Tarp (Programa de Alívio de Ativos Problemáticos) original.
De acordo com a segunda interpretação, proporção considerável dos bancos está insolvente; seus ativos valem menos que seus passivos. O FMI argumenta que os potenciais prejuízos sobre ativos de créditos gerados nos EUA atingem, só eles, US$ 2,2 trilhões. O economista Nouriel Roubini estimou que o pico de prejuízos dos ativos gerados nos EUA possa atingir US$ 3,6 trilhões.
Em minha opinião, há pouca dúvida de que a segunda interpretação seja a correta, e isso se provará cada vez mais verdadeiro à medida que a economia mundial se deteriore. Mas o cerne da questão não é esse. O que é preciso é determinar se, na presença de tamanha incerteza, podemos basear nossas respostas na esperança de que tudo seja resolvido da melhor maneira. A resposta é clara: as autoridades racionais precisam sempre antecipar o pior. Caso essa expectativa termine por se provar pessimista, o resultado seria um sistema financeiro com excesso de capitalização. Mas, se a opção otimista estiver errada, teremos bancos zumbis e um governo desacreditado. A escolha dificilmente poderia ser mais evidente.
O novo plano parece fazer sentido se e apenas se o principal problema for a falta de liquidez. A oferta de garantias e a aquisição de certa proporção dos ativos tóxicos, com limitação das injeções de capital a menos do que os US$ 350 bilhões que restam no Tarp, não enfrentaria o problema da insolvência que tantos observadores informados identificam. De fato, qualquer programa de aquisição de ativos tóxicos ou de garantia será uma forma ineficaz, não-efetiva e injusta de resgatar as instituições financeiras com capitalização insuficiente: não-efetiva porque os governos terão de adquirir vastos volumes de ativos dúbios a preços excessivos, ou oferecer garantias generosas demais, para tornar solventes os bancos insolventes; ineficaz porque grandes injeções de capital ou programas de conversão de dívidas em capital são maneiras melhores de recapitalizar bancos; e injusta porque seriam dados subsídios a instituições quebradas e ao comprador privado de maus ativos.
Por que, então, o governo dos EUA está cometendo o que parece ser um erro? Talvez porque esteja esperando pelo melhor. Mas pode ser que também por se ter proposto a pergunta errada. As autoridades não se perguntaram o que precisa ser feito para conseguir uma solução garantida, mas sim qual seria a melhor solução sob os limites oferecidos por três normas arbitrárias que o governo impôs a si mesmo: evitar a estatização; evitar prejuízos para os detentores de títulos; e evitar novos pedidos de dinheiro ao Congresso. Mas por que um novo governo, diante de uma crise tão profunda, não tenta alterar os termos do debate? A timidez exibida até agora é deprimente. Presuma que o problema seja a insolvência e que o modesto valor de mercado sustentado no momento pelos bancos comerciais americanos (US$ 400 bilhões) derive do apoio do governo. Presuma, igualmente, que seja impossível levantar grandes montantes em capital privado hoje. Nessa situação, é preciso que haja recapitalização de uma das duas maneiras descritas acima. Ambas têm desvantagens: a recapitalização pelo governo é um resgate aos credores e envolve administração estatal temporária; conversão de dívidas em capital prejudicaria o mercado de títulos, as seguradoras e os fundos de pensão. Mas não há como escapar à escolha.
Caso Geithner ou Lawrence Summers, o presidente do conselho de assessores econômicos da Casa Branca, estivessem assessorando os EUA como país estrangeiro, fariam questão de apontar brutalmente para essa realidade.
O conselho correto continua a ser aquele que os EUA deram aos japoneses nos anos 90: admitam a realidade, reestruturem os bancos e, acima de tudo, abatam imediatamente as instituições zumbis. Decidir se a resposta certa é criar novos "bons bancos", deixando que os velhos maus bancos pereçam; ou formar novos "bancos ruins", que permitam a sobrevivência dos velhos bancos expurgados, é uma questão secundária, ainda que importante. Minha inclinação pessoal é pela primeira solução, porque a cultura dos velhos bancos parece excessivamente tóxica.
Ao fazer as perguntas erradas, Obama está realizando uma aposta imensa. Ele deveria ter decidido limpar os estábulos bancários de Áugias. É preciso que reconsidere sua decisão, se já não for tarde demais.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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