São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

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PAULO RABELLO DE CASTRO

O Brasil e a crise: a ficha ainda não caiu


Não caiu a ficha do significado da crise como transformadora da sociedade e das relações do país com o mundo

DESDE O início da queda livre da produção, entre novembro e dezembro, os governos do mundo se veem na obrigação de "dar respostas imediatas e eficazes" à crise que pegou a todos. No Brasil, duas coisas boas aconteceram. Primeiro o fato de o governo ter agido com parcimônia e destreza numa ação concatenada antipânico e bem coordenada pela dupla MM (Meirelles-Mantega). Outros países não tiveram tanta sorte e estão em situação dramática, que requererá pelo menos dois anos até a recomposição da confiança e da liquidez.
A segunda coisa boa foi o sistema produtivo brasileiro haver reagido com extrema velocidade, flexibilizando salários, cortando supérfluos e baixando estoques vigorosamente.
Mas tem também a parte ruim. Aparentemente, em Brasília, o Congresso não viu nada nem lê jornais, enquanto avança a politicagem e a tentativa de aumento de gastos. O castelo de deputado Moreira, embora chocante pela falta de gosto, não repercute mais do que uma beirada das loucuras financeiras aprovadas por seus pares todos os dias.
E, do lado de cá, nas representações políticas do setor privado nacional, tampouco parece haver caído a ficha da crise. Sim, houve ajustes da produção por todos os cantos, mas a ficha que ainda não caiu é a do significado dessa crise como transformadora da sociedade e das relações do Brasil com o mundo. A rarefeita elite nacional está perplexa, quase abobalhada, deixando passar entre as pernas a bola que o mundo lança ao Brasil por ter sido um dos poucos países preservados das loucuras financeiras que arruinaram tantas nações mais fortes. No próximo G20, em Londres, ao início de abril, esse destaque brasileiro ficará mais evidente.
E qual a pauta, o plano estratégico, o programa de crise e pós-crise que o setor privado estaria vendendo ao presidente Lula como remédio à inevitável derrubada do ritmo da produção em 2009-10? Para dizer a verdade, nada que se saiba. Essa seria, no entanto, a hora justa de avançar, não só porque a visão da crise aguça as inteligências (ou deveria...) mas principalmente porque não haverá de novo oportunidade igual a essa para o avanço relativo do Brasil, nesta ou na próxima geração.
Em recente reunião na Federação das Indústrias, pudemos sentir como está vago o assento das ideias boas e práticas com as quais o setor privado poderia fustigar as capacidades operativas do governo. Não adianta posar de crítico do programa de emergência do BNDES, os R$ 100 bilhões que se pretende alocar como financiamentos, se nada de novo é apresentado como alternativa, pelos representantes do setor privado, além de pedidos de verbas de socorro.
Aí vem o megaprotecionismo dos países ricos defendendo seus empregos. Qual a programada reação do nosso setor produtivo? Não sabemos.
Ai vem o desafio da preservação das empresas médias e pequenas, geradoras da grande massa de empregos no país. Qual a política de liberação efetiva de recursos para essa camada de empresários? Desconhecemos. Os bancos precisam abrir gradualmente as torneiras do crédito. Como se fará a reforma financeira, que consiste, para começar, em baixar de fato o compulsório dos bancos? Silêncio constrangedor...
E a taxa de câmbio, que não dará conta do ajuste da balança comercial minguante, exigindo um programa completo de medidas para baixar o "custo-Brasil" dos exportadores e importadores? Tampouco sabemos...
A ficha da oportunidade de avançar ainda não foi capturada pela rala elite tupiniquim. Tomara que a perplexidade não dure para sempre.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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