São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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Cartel ataca também nos pequenos negócios

Infrações contra a concorrência ocorrem também em áreas do dia-a-dia, como na cobrança de um mesmo preço pelo pãozinho

Jangadeiros cobram mesmo valor pelo passeio em cidade no Ceará; SDE entende que existência de cartel causa dano maior aos mais pobres


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A funcionária pública Josineide Souza Queiroz, 43, prefere comprar seu pãozinho matinal em Sobradinho (DF) porque não perde tempo de manhã escolhendo a padaria. Todas cobram o mesmo preço.
Já a telefonista Julieta Silvia, 58, reclama da cidade vizinha, Sobradinho 2, porque lá "tem lugar que cobra mais caro" pelo pãozinho. "Nunca vi padaria cobrando mais caro por aqui. Agora, lá em Sobradinho 2 é que tá bom de a polícia fiscalizar, porque o bicho está pegando, como dizem", afirmou. Esse "bicho" é o livre mercado.
O paraíso dos compradores de pãozinho, representado por Sobradinho, significa uma violação da lei. Não é permitido que empresas concorrentes combinem preços.
Tidas em geral como "crimes do colarinho branco", de grandes corporações, as infrações contra a concorrência ocorrem também em setores triviais.
"Seja para as grandes empresas, seja para os pequenos negócios, o prejuízo da existência de cartéis é geral. E seu efeito mais perverso é para a população de baixa renda", disse Marcelo Saintive, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.
"Determinados produtos são essenciais à subsistência da população, de modo que os preços mais elevados reduzem a renda real dos indivíduos", assinalou.
As infrações de pequenas empresas também prejudicam a classe média, elevando gastos da carteira de habilitação aos passeios nas férias.
Longe dos holofotes, pequenas empresas acertam preços, repartem o mercado, dificultam a entrada de competidores ou forçam vendas casadas.
Em algumas ocasiões, essas combinações aparentam ser de boa-fé, apesar de ilegais. Até há poucos anos, relata a secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares, era comum que sindicatos apresentassem formalmente uma tabela de preços e a ata de aprovação.
O problema é que tabelar preços viola a lei de uma economia livre como a brasileira.
A tradição de inflação alta e forte intervenção estatal na economia por décadas dificulta até mesmo aos consumidores a identificação de um cartel que, em última análise, o prejudica.
"Eles todos cobram a mesma coisa para evitar concorrência desleal. Já pensou se um fizesse um preço mais barato para roubar clientes dos outros?", questiona Socorro Maia, moradora de Porto de Galinhas (PE). Na cidade, os jangadeiros cobram o mesmo valor nos passeios.
Incomodado com o caso, um turista procurou a SDE com uma foto da cobrança igual e registrou denúncia administrativa. A investigação ainda não foi iniciada pela secretaria.
Em São Paulo, o uso de uma mesma tabela com os preços das aulas práticas e teóricas foi o bastante para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) condenar auto-escolas e CFCs (Centros de Formação de Condutores) de Santos por prática de cartel. A punição foi de R$ 127,7 mil.
O presidente do Sindauto (Sindicato das Auto-Escolas e Centros de Formação de Condutores do Estado de São Paulo), José Guedes Pereira, negou a prática. Mas ressaltou que a maioria dos estabelecimentos foi punida pelo Detran de São Paulo com suspensão.
"Na verdade, não é cartel, porque cada um cobra o que quer. Na nossa avaliação, a competição é até predatória."
Em outro caso investigado pela SDE, foi descoberto um cartel entre as empresas de manutenção de taxímetros.
Todas precisam de certificação do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia) para funcionar, o que limita a oferta de manutenção no mercado.
Quatro empresas teriam combinado entre si os preços de serviços e equipamentos. Os taxistas denunciaram o caso à SDE, resultando em condenação das empresas.
Ainda sem conclusão, corre um processo na SDE a pedido do Ministério Público de São Paulo contra a Associação de Funerárias de Atibaia. Há suspeita de que as empresas adotem venda casada: quem comprar um caixão deve levar uma coroa de flores, por exemplo.
(IURI DANTAS)


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