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Cartel ataca também nos pequenos negócios
Infrações contra a concorrência ocorrem também em áreas do dia-a-dia, como na cobrança de um mesmo preço pelo pãozinho
Jangadeiros cobram mesmo valor pelo passeio em cidade no Ceará; SDE entende que existência de cartel causa dano maior aos mais pobres
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A funcionária pública Josineide Souza Queiroz, 43, prefere comprar seu pãozinho matinal em Sobradinho (DF) porque não perde tempo de manhã
escolhendo a padaria. Todas
cobram o mesmo preço.
Já a telefonista Julieta Silvia,
58, reclama da cidade vizinha,
Sobradinho 2, porque lá "tem
lugar que cobra mais caro" pelo
pãozinho. "Nunca vi padaria
cobrando mais caro por aqui.
Agora, lá em Sobradinho 2 é
que tá bom de a polícia fiscalizar, porque o bicho está pegando, como dizem", afirmou. Esse
"bicho" é o livre mercado.
O paraíso dos compradores
de pãozinho, representado por
Sobradinho, significa uma violação da lei. Não é permitido
que empresas concorrentes
combinem preços.
Tidas em geral como "crimes
do colarinho branco", de grandes corporações, as infrações
contra a concorrência ocorrem
também em setores triviais.
"Seja para as grandes empresas, seja para os pequenos negócios, o prejuízo da existência
de cartéis é geral. E seu efeito
mais perverso é para a população de baixa renda", disse Marcelo Saintive, secretário de
Acompanhamento Econômico
do Ministério da Fazenda.
"Determinados produtos são
essenciais à subsistência da população, de modo que os preços
mais elevados reduzem a renda
real dos indivíduos", assinalou.
As infrações de pequenas
empresas também prejudicam
a classe média, elevando gastos
da carteira de habilitação aos
passeios nas férias.
Longe dos holofotes, pequenas empresas acertam preços,
repartem o mercado, dificultam a entrada de competidores
ou forçam vendas casadas.
Em algumas ocasiões, essas
combinações aparentam ser de
boa-fé, apesar de ilegais. Até há
poucos anos, relata a secretária
de Direito Econômico, Mariana Tavares, era comum que sindicatos apresentassem formalmente uma tabela de preços e a
ata de aprovação.
O problema é que tabelar
preços viola a lei de uma economia livre como a brasileira.
A tradição de inflação alta e
forte intervenção estatal na
economia por décadas dificulta
até mesmo aos consumidores a
identificação de um cartel que,
em última análise, o prejudica.
"Eles todos cobram a mesma
coisa para evitar concorrência
desleal. Já pensou se um fizesse
um preço mais barato para roubar clientes dos outros?", questiona Socorro Maia, moradora
de Porto de Galinhas (PE). Na
cidade, os jangadeiros cobram
o mesmo valor nos passeios.
Incomodado com o caso, um
turista procurou a SDE com
uma foto da cobrança igual e registrou denúncia administrativa. A investigação ainda não foi
iniciada pela secretaria.
Em São Paulo, o uso de uma
mesma tabela com os preços
das aulas práticas e teóricas foi
o bastante para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica) condenar auto-escolas e CFCs (Centros de Formação de Condutores) de Santos por prática de cartel. A punição foi de R$ 127,7 mil.
O presidente do Sindauto
(Sindicato das Auto-Escolas e
Centros de Formação de Condutores do Estado de São Paulo), José Guedes Pereira, negou
a prática. Mas ressaltou que a
maioria dos estabelecimentos
foi punida pelo Detran de São
Paulo com suspensão.
"Na verdade, não é cartel,
porque cada um cobra o que
quer. Na nossa avaliação, a
competição é até predatória."
Em outro caso investigado
pela SDE, foi descoberto um
cartel entre as empresas de manutenção de taxímetros.
Todas precisam de certificação do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia) para funcionar, o que limita a oferta de
manutenção no mercado.
Quatro empresas teriam
combinado entre si os preços
de serviços e equipamentos. Os
taxistas denunciaram o caso à
SDE, resultando em condenação das empresas.
Ainda sem conclusão, corre
um processo na SDE a pedido
do Ministério Público de São
Paulo contra a Associação de
Funerárias de Atibaia. Há suspeita de que as empresas adotem venda casada: quem comprar um caixão deve levar uma
coroa de flores, por exemplo.
(IURI DANTAS)
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