São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Cuidado com a valorização cambial!

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A conteceu nesta semana, em Porto Alegre, um debate interessante entre o candidato do governo à Presidência da República e um certo Napoleão de hospício que, para nosso infortúnio, presidiu o Banco Central até janeiro de 1999. O primeiro disse coisas eminentemente razoáveis. Defendeu a redução do déficit do balanço de pagamentos em conta corrente dos atuais 4,2% do PIB para a faixa de 2,5% a 2,8%, o que permitiria diminuir as taxas de juros reais de curto prazo para 6% ou 7% ao ano, em meados da década ("Gazeta Mercantil", edição de ontem, pág. A-9).
O segundo alegou que reduzir o déficit em conta corrente significa jogar fora a possibilidade de importar poupança e tecnologia. Negou, também, qualquer conexão entre o desequilíbrio externo e o nível das taxas de juros internas...
Bem. Autocrítica nunca foi o forte dos Napoleões de hospício. E não vale a pena gastar pólvora com ximango.
Voltemos à tese do candidato do governo. Nesse particular, diga-se de passagem, não há grande diferença entre o candidato oficial e os candidatos da oposição. Todos parecem reconhecer o óbvio: o Brasil precisa reduzir a sua vulnerabilidade externa.
A tarefa vai ficar, fundamentalmente, para o próximo governo. É verdade que o desequilíbrio em conta corrente vem caindo no passado recente. O déficit acumulado em 12 meses passou de US$ 27,3 bilhões (4,7% do PIB) em março de 2001 para US$ 21,4 bilhões (4,2% do PIB) em fevereiro deste ano.
A depreciação cambial contribuiu certamente para esse resultado ao favorecer a competitividade das exportações e desestimular a importação de bens e serviços. Não se deve perder de vista, contudo, que grande parte da melhora na conta corrente decorre da acentuada redução do ritmo de crescimento da economia brasileira. Até o início de 2001, o nível de atividade, especialmente no setor industrial, vinha se recuperando de maneira significativa. Desde então, a economia voltou a crescer a taxas medíocres, o que diminuiu a demanda de importações e gerou excedentes exportáveis.
Ora, o desafio é trazer o déficit em conta corrente para algo como 2,5% do PIB com a economia crescendo a taxas adequadas, de 5% a 6% ao ano. Esse objetivo dificilmente será alcançado se o Banco Central permitir que, a cada melhora das expectativas dos mercados financeiros, a taxa de câmbio se revalorize.
É o que está acontecendo nos meses recentes. O dólar caiu abaixo de R$ 2,30 -o menor valor dos últimos 11 meses. Essa apreciação do real traz suas vantagens: ajuda a conter a inflação e diminui o custo, em reais, das dívidas externas ou indexadas ao câmbio.
Porém, os dados disponíveis lançam dúvidas sobre a suposição de que existe espaço para permitir uma apreciação do real. A Funcex (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior), por exemplo, acompanha regularmente o movimento da taxa de câmbio. Seu último boletim mensal traz dados até fevereiro, mês em que a taxa R$/US$ ainda estava em 2,42, em média.
Naquela altura, a situação já não era brilhante. Considerando não apenas a relação real-dólar, mas uma cesta de 13 moedas, com pesos baseados nos fluxos de comércio do Brasil, a taxa de câmbio real estava no seu nível mais baixo desde dezembro de 1998, refletindo, em parte, a força do dólar em relação a terceiras moedas e, em especial, o colapso do peso argentino (que entra com ponderação de 17,9% na cesta da Funcex).
Relativamente ao primeiro semestre de 1994, período imediatamente anterior ao lançamento do real, a taxa média de câmbio em relação a essas 13 moedas acumulava valorização real de 8% em fevereiro último. O índice de rentabilidade das exportações, também calculado pela Funcex, registrava diminuição de 1,3% em comparação com o nível do primeiro semestre de 1994.
O Banco Central pode conter essa valorização cambial? Sim, sem maiores dificuldades. Só os ingênuos acreditam que, no regime de flutuação, a taxa cambial é determinada apenas pelo mercado.
O Banco Central pode, por exemplo, diminuir a taxa interna dos juros. Ou acumular reservas internacionais. Ou, ainda, reduzir a oferta de títulos indexados à taxa de câmbio.
Todas essas alternativas têm efeitos colaterais desejáveis. No Brasil, as taxas de juros são indecentemente altas. Reduzi-las favorece a retomada do crescimento e barateia o custo da dívida pública interna, a maior parte da qual é de curto prazo ou referenciada à taxa de juros de curto prazo. A acumulação de reservas internacionais adicionais no Banco Central é recomendável, pois o seu nível atual está longe de ser suficiente. E a diminuição do estoque de papéis indexados ao câmbio melhoraria o perfil da dívida pública e reduziria a sua vulnerabilidade a depreciações cambiais.
Não vamos repetir o erro de 2000, ano em que a direção do Banco Central permitiu uma valorização cambial exagerada, não aproveitando a relativa tranquilidade do quadro internacional para acumular reservas e fortalecer a posição do país.
É claro que nada disso seria tão relevante se o mundo nos oferecesse a perspectiva de um período de calma e prosperidade.
Mas quem pode, em sã consciência, apostar nisso? O brutal agravamento da crise no Oriente Médio e o risco de que uma alta ainda maior do petróleo venha a abortar a ainda incipiente recuperação da economia mundial constituem o mais recente aviso de que as condições internacionais continuarão turbulentas. O Brasil terá de desenvolver uma cuidadosa estratégia de autodefesa.
Só mesmo um Napoleão de hospício, daqueles que não conhece nem Waterloo nem Santa Helena, pode imaginar o contrário.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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