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São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Vivendo e aprendendo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

"A vida é uma caixa de surpresas." Embora desgastado por seu uso cotidiano e quase vulgar, esse pensamento não perde sua dimensão de sabedoria. Por isso, aplica-se sem limite temporal a um conjunto muito grande de acontecimentos em nossas vidas; lembra-nos constantemente da fragilidade da vida humana diante da grandeza do Universo e sua vida inteligente, mas não previsível, e nos adverte para o conflito constante entre os interesses individuais e coletivos e os valores sociais e políticos dos homens.
Na minha já longa caminhada pela vida enfrentei várias situações em que essa caixa de surpresa atingiu-me de frente. A primeira, em 1967, quando, pressionado pela necessidade de um salário que me permitisse viver a vida de um jovem casado, fui trabalhar com o dr. Roberto Campos. Ex-ministro do Planejamento do primeiro governo militar, ele era considerado, durante meus anos de militância na esquerda católica na Escola Politécnica, um verdadeiro algoz do povo brasileiro e defensor dos interesses do capitalismo. Foi um choque emocional muito difícil, que apenas o tempo e a maturidade política foram diluindo e tornando mais aceitável.
Vivo agora com o governo de Lula e do PT mais uma dessas surpresas extremas que a vida nos proporciona. Ela não tem mais as cores doloridas daquela experiência quando jovem, mas traz consigo a mesma sensação de espanto e surpresa que esses acontecimentos inesperados produzem. Em recente debate organizado pela revista "Exame" com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o secretário de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda, eu me vi fazendo uma crítica à esquerda da política econômica do presidente Lula!
Conhecedor do pensamento econômico do PT, em seus vinte e tantos anos de história -fui professor no Instituto de Economia da Unicamp-, estava preparado para uma crítica à direita do novo governo. Quando ouvi a exposição do economista "sênior" do Ministério da Fazenda, no encontro da "Exame", a imagem da caixa de surpresas explodiu na minha frente. Nada a ver com a necessidade de acalmar os mercados excitados com o passado de Lula e Dirceu. Estava ali, ao vivo e em cores, o mais claro raciocínio que durante anos foi catalogado como neoliberalismo pelo PT da época da oposição. Tudo dito em público e com a presença majestosa do homem mais importante e poderoso do governo.
Poucos dias antes, já tinha ouvido, estupefato, o presidente dizer que o regime cambial que temos hoje no Brasil é totalmente livre e que, portanto, não haveria intervenção do BC para evitar a valorização do real. Talvez sem saber -o presidente Lula dá mostras claras de que não entende o que ocorre na política econômica de seu governo- o homem histórico do PT endossava as palavras de Gustavo Franco, quando dizia que dólares e bananas têm a mesma formação de preços em uma economia de mercado.
Digerida a surpresa e assumida a postura de defender, naquele fórum, uma política econômica que preserve o país e a sociedade dos sofrimentos desnecessários dos últimos anos, aconselhei o ministro José Dirceu a tomar cuidado com o "soft" econômico que seu governo havia tomado emprestado de Fernando Henrique. Lembrei ao ministro a necessidade, além de manter a austeridade fiscal e o compromisso com a estabilidade dos preços, de construir uma política econômica que reduza estruturalmente nossa dependência externa de capitais financeiros voláteis e de seu irmão siamês, que é a política de juros internos elevados. A mesma crítica feita por uns economistas, há muitos anos, quando estávamos no governo Fernando Henrique Cardoso e que não foi escutada.
Adverti-o, também, de que o BNDES, instrumento essencial para a execução dessa política, é dirigido hoje por pessoas que estão, em relação ao secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, no extremo oposto do espectro ideológico. Alertei que essa combinação esdrúxula, entre liberalismo extremado e intervencionismo, não vai nos levar a lugar nenhum. Para reforçar minha posição, poderia ter informado à platéia -e não o fiz por cortesia ao ministro- que os técnicos mais novos do BNDES estão sendo obrigados a fazer um curso de reciclagem de suas idéias na UFRJ, com professores que seguem as idéias da professora Maria da Conceição Tavares, brilhante decana do pensamento do PT em sua versão oposição.
Minha caixa de surpresas revelou-se posteriormente maior ainda do que a percebida no debate. Em relatório oficial, o FMI fazia o mesmo alerta!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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