São Paulo, sábado, 11 de abril de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

Correspondência pascoal


Amanhã é domingo de Páscoa (de novo!), data para quem gosta de chocolate, de doces e de bombons


MINHA querida amiga. Amanhã é Domingo de Páscoa. De novo! Desta vez, estou triste, mesmo gostando, como você sabe, de chocolate. É que nos últimos 30 dias perdi quatro colegas, todos da minha idade, dois do colégio e dois da faculdade. Foi muito duro: um deles morou na minha república de estudantes, convivemos anos felizes, sem compromissos que não os escolares.
Para eles, acabou-se o que era doce: não têm mais bombom nem Páscoa. Deverei passar o domingo sem meus filhos, que cada qual vai com sua família para um lugar diferente, aproveitar o feriadão. Talvez vá pescar com alguns velhos amigos, lá no Pantanal. Mas ainda não sei. Tenho andado meio chato e não quero chatear ninguém. Voltou, intensamente, minha recorrente indagação sobre o sentido da vida.
Quando éramos jovens, lembra-se, a gente imaginava uma velhice tranquila: os filhos criados, cada um em sua profissão e vida organizada, uma rendazinha para nós que daria para o gasto, um bom seguro de saúde, uma casa pequena com bons livros e discos, um carrinho seminovo e todas as preocupações jogadas no baú do passado. Achávamos, em nossa inocência, que a idade traria uma merecida paz.
Que bobagem! Que estupidez! Como pudemos acreditar nisso? Claro que é impossível! Em primeiro lugar, porque morrem muitos companheiros, os pais, outros familiares queridos, amigos e, às vezes, fora da ordem, jovens que amamos.
Em segundo lugar, porque o coração vai se enchendo de vazios (desculpe o jogo de palavras), determinados pelas saudades do que não fizemos. Porque saudade é um sentimento ruim, representa um tempo perdido, em que deixamos de decidir, e agora, não tem mais volta. Em terceiro lugar porque os filhos, mesmo nos amando de verdade, têm suas vidas, seus rumos, não podemos atrapalhá-los.
Por outro lado, vamos perdendo as capacidades intelectuais e físicas: não temos mais a mesma agilidade mental, o corpo já não obedece às ordens do cérebro. Experimente jogar tênis para ver -você pensa direitinho a jogada, mas, quando acaba de pensar, a bola passou...
Tudo isso é normal, a gente deveria saber. E há coisa pior: os ombros vão se curvando com o peso das esperanças que os outros depositaram em nós. As pernas ficam trôpegas de tanto andar semeando amor todos os dias -nem sempre no terreno fértil da reciprocidade. Os olhos vão se turvando de espreitar a solidão à luz do dia e o abandono no breu da noite. A voz enrouquece de clamar por justiça, único bem indispensável e tão fortuitamente alcançado.
Afinal, qual o sentido de tudo isso? Para onde vamos, de onde estamos vindo? Será preciso o refúgio da fé para ter as respostas? Acho que não vou pescar não. Porque lá, na beira do rio, essa conversa sempre volta e não estou a fim dela. Até porque um dos meus amigos defende uma tese terrível: ele diz que não passamos de mulas de carga, e nossa única função é carregar o DNA do berço ao túmulo.
Claro que não é só isso. Há algo muito mais nobre, que a trágica ignorância não me deixa perceber. Mas não vou pescar não, apesar da delícia de rever os velhos amigos nesta única vez em cada ano, quando colocamos em dia os fatos do ano que passou. Não vou não: vão contar de outros que morreram. Nem quero saber. Vou ficar aqui, sozinho mesmo. Boa Páscoa para você, querida amiga. Beijos.
PS: Quer vir passá-la comigo?

ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp/Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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