São Paulo, sábado, 11 de abril de 2009

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Crise estimula escambo entre empresas

Redes que gerenciam troca de produtos e serviços esperam crescer até 50% em 2009, beneficiadas pela escassez de crédito

Permutas movimentaram mais de R$ 40 milhões no país em 2008; dificuldade de planejar gastos com moeda virtual é maior empecilho


RENATO ESSENFELDER
DA REDAÇÃO

Créditos, Únicos, Unidades de Permuta. Com a escassez e consequente encarecimento das linhas de financiamento em reais, empresários têm recorrido a essas e outras moedas virtuais e a uma das práticas mais antigas de negociação, o escambo, como forma de desovar estoques, viabilizar investimentos e não comprometer a saúde do fluxo de caixa.
O princípio dessas permutas segue o modelo milenar: troca de produtos ou serviços entre empresas (veja quadro). Aparece, contudo, modernizado pela criação de redes multilaterais, em que moedas virtuais fazem a intermediação entre empresários e abrem a possibilidade de acumular créditos para investimentos vultosos.
Estimuladas pela crise global, as maiores redes de troca do país estimam crescer entre 30% e 50% neste ano.
"Em dezembro, dobrou a procura de empresas interessadas em aderir à rede. Elas comentavam que estavam em busca de alternativas de negócios diante da crise. Os valores movimentados no sistema também aumentaram significativamente, cerca de 40%", afirma Marco Del Giudice, diretor comercial da Tradaq, a maior rede de trocas do país.
A Tradaq é um caso incomum de empresa que reviu para cima sua projeção de crescimento após o auge da crise, em setembro passado. Agora estima chegar ao final deste ano até 40% maior. Com sua moeda virtual, o Único, movimentou no ano passado R$ 24 milhões em produtos e serviços.
Um caso real é narrado por Ana Lúcia Butolo, gerente da fabricante e vendedora de móveis Armando Cerello, em São Paulo. A marca é associada à Tradaq desde o início da rede, no ano 2000.
Sua maior operação até agora foi para a compra de mil catálogos de uma gráfica associada ao clube. Para acumular os créditos necessários, ofertou mesas, cadeiras, sofás. "A vantagem é não precisar dispor do capital de giro e comprar usando a própria margem de lucro dos nossos produtos. Assim, acabamos gastando menos", diz.
No setor de serviços o intercâmbio é ainda mais forte, porque, ao contrário do que ocorre com mercadorias, não é possível estocar tempo ocioso para usar quando houver demanda. "Ocupar a disponibilidade é interessante porque a "mercadoria" já está lá, não precisa ser produzida. O gasto com água, luz, serviços é mínimo", conta o diretor de operações da Ábaco, que administra os hotéis Howard Johnson e Astron, Carlos Alberto de Carvalho.
Na maior operação de permuta que já fez até hoje, Carvalho trocou diárias de hotel por 45 colchões, que custariam mais de R$ 30 mil em espécie.
"Mas também não vejo a permuta como uma panaceia que resolve tudo. Não dá para planejar resolver a sua vida só com trocas, você nunca sabe quando haverá um produto ou serviço que realmente interesse à disposição na rede. Por isso, se encontrar um comprador que me dê R$ 1 pelo meu serviço, não trocaria isso por um crédito de permuta", pondera.
O hotel Howard Johnson integra a rede Permute. Criada em 2003, possui 600 associados e movimentou em 2008 R$ 9 milhões em negócios. "Encerramos o primeiro trimestre deste ano com crescimento de 25% em afiliados e em operações em relação ao ano passado", conta Nádia Nunes, diretora da Permute, que espera crescer 30% neste ano.
"Com a crise, tem nos surpreendido empresas que antes não demonstravam interesse por permutas, como as do setor energético", completa.
Mais nova, mas também com expectativa de forte crescimento, a Prorede começou a operar em 2004 no Rio e hoje tem 400 associados, movimentou R$ 8 milhões no ano passado e espera elevar esse valor em 50% neste ano. Mas lá a crise não é vista como especial alavanca de negócios. "Não mudamos nossa projeção em razão da crise, porque, ao mesmo tempo que ela gera oportunidades de negócio, somos afetados, como todo o mercado, por uma certa paralisia na tomada de decisões [de potenciais sócios]", conta Márcio Lerner, diretor-executivo.
Dentro da Prorede, e em clubes de permuta em geral, os serviços mais requisitados são ligados a mídia e marketing (inserção de anúncios, brindes, impressão de material gráfico).
Para aumentar as possibilidades de contatos e negócios, várias empresas aderem a mais de uma rede de permuta, já que não há exigência de exclusividade. A fabricante de bebidas Globalbev, por exemplo, é ligada à Permute, à Tradaq e à Prorede. Luciana Bruzzi, gerente de marketing da indústria, conta que, ao se deparar com uma necessidade de investimento (como uma reforma), começa sua pesquisa pelas redes de troca. "Depois cotamos com pagamento em dinheiro e fazemos a comparação de preços."
As trocas, afinal, têm um custo, e não só logístico. As redes cobram comissões sobre as operações, que vão de 4% a 14%. Como há efetiva venda de produtos -ainda que por créditos ficcionais-, é preciso também recolher impostos. E, se você estiver com a carteira recheada de créditos, terá de esperar o surgimento de um produto ou serviço interessante. Em nenhuma hipótese as redes aceitam converter moeda virtual em dinheiro vivo.


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