São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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ANÁLISE

Bric é linha de defesa para asiáticos

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Chamada cada vez mais a compartilhar os custos da solução dos problemas globais, a China vê no fórum político Bric, com Brasil, Rússia e Índia, um instrumento de defesa dos seus direitos e deveres de país em desenvolvimento.
"Apesar dos grandes sucessos na construção econômica, a China é muito grande, e sua renda PIB per capita, muito baixa. Continuamos sendo um país em desenvolvimento, e a política exterior sempre parte dessa posição do meu país", disse à Folha o embaixador chinês em Brasília, Qiu Xiaoqi.
Ele ecoa editorial do jornal oficial "China Daily", que, ao anunciar a visita do presidente Hu Jintao ao Brasil, disse que o país "continuará a lutar pela influência dos emergentes".
Não há dúvidas, dizem analistas, de que a relação bilateral com Washington é a mais importante para Pequim -a potência asiática detém mais de US$ 2 trilhões em reservas e exporta mais de US$ 300 bilhões por ano para os EUA, dos quais 20% são em produtos de empresas americanas instaladas na China.
Em contraste, o comércio com o Brasil está na casa dos US$ 30 bilhões, embora a China tenha sido em 2009 a maior parceira individual do país.
Mas a ideia de formação de um novo condomínio hegemônico bipolar, o G2, com os americanos, encontra resistência entre os chineses.
"Para os nacionalistas, a pressão americana por maior responsabilidade no sistema internacional é uma armadilha. Para os moderados, a China não pode ser parte de um G2 por causa de seus problemas domésticos, de país em desenvolvimento", diz o chinês Ming Wan, da Universidade George Manson (EUA).
O Brasil reconhece que a China tem interesses de potência. Roberto Jaguaribe, subsecretário de Assuntos Políticos do Itamaraty, lembra que o grupo de trabalho entre EUA e China reúne um vice-premiê e um conselheiro de Estado chineses e os secretários do Tesouro e de Estado americanos.
"Se quer chamar de G2, é um pouco subjetivo. Mas a China tenta evitar a imagem de que queira um esquema em detrimento dos demais."
Ex-embaixador em Pequim, Roberto Abdenur disse em seminário recente no Rio não ter "ilusões românticas" sobre a relação Brasil-China, mas afirmou que os dois países podem ter parcerias em finanças, mudança climática, energia renovável e segurança alimentar.
Como fórum político, no entanto, o Bric desafia a história.
Rússia e Índia trazem bagagem de rivalidades com a China. As três foram impérios e são potências atômicas. Rússia e China têm poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil é o novato, "menos fixado no imaginário da relevância internacional do que os demais", diz Jaguaribe.

Concorrência desleal
Novas divergências surgiram, ligadas à agressividade comercial chinesa. Empresários russos e brasileiros queixam-se de concorrência desleal provocada pela taxa de câmbio da moeda chinesa, o yuan.
A China lançou ofensiva contra pressões do tipo. A embaixada em Brasília divulgou documento em que afirma que as importações chinesas crescem neste ano 32% mais rápido do que as exportações.
Mas o que marca a novidade do Bric, diz Jaguaribe, é o fato de os quatro, sobretudo a China, serem países em desenvolvimento, mas não mais periféricos. Entre 2001 e 2008, foram responsáveis por 46,3% da expansão global, mas a renda per capita média -US$ 6.094 em 2008- é quase um oitavo da americana (US$ 46.859).
A contradição é o ponto de convergência. O diplomata Liu Youfa, vice-presidente do Instituto de Estudos Internacionais da China, lembra que 70% das maiores empresas transnacionais ainda têm sede nos EUA, no Japão e na Europa.
"A fronteira econômica dos países ricos é maior do que a territorial. Os países do Bric têm que romper com isso para se tornar seus próprios senhores", disse. Sem maior competitividade, os quatro estacionarão como provedores de matérias-primas (Brasil), energia (Rússia), serviços (Índia) ou de fábrica do mundo (China). "É um cenário triste."


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