São Paulo, sábado, 11 de abril de 1998

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TEMPOS DE CRISE
Governo reduz impostos para incentivar o consumo, mas japoneses preferem guardar para o futuro
Cultura de poupar agrava crise no Japão

Marcos Aith/Folha Imagem
O mendigo Shigeru Sato, que afirma ter US$ 1 mil na poupança


MARCIO AITH
de Tóquio

Poupança é virtude. Ela cria investimento público, desenvolvimento e emprego.
Nos últimos 53 anos esse foi um dos valores com os quais o Japão, destruído durante a Segunda Guerra Mundial, se reergueu.
Obedecendo fielmente a esse preceito (quase religioso), os japoneses se transformaram no povo que mais poupa no mundo, acumulando fantásticos ativos pessoais de 1,2 quatrilhão de ienes, ou US$ 9 trilhões -dez vezes o tamanho da economia brasileira.
A fórmula deu certo e transformou o Japão na segunda maior potência econômica do mundo. Só que nada disso funciona mais.
Com o aprofundamento da crise econômica do país no último ano, o governo se vê na infeliz tarefa de transformar o responsável trabalhador japonês num consumidor voraz, para brecar a queda do consumo interno no último ano.
"É uma tarefa difícil, quase impossível", diz o professor de economia Eiji Yamamoto, da Konan University, em Kobe. "Não se tira facilmente da cabeça das pessoas algo que foi colocado lá dentro por cinco décadas."
Esse assunto é prioridade no Japão. Em dezembro, o governo anunciara um corte de US$ 15 bilhões em impostos das pessoas físicas para estimular o consumo.
Nos primeiros meses de 1998, no entanto, percebeu-se que, ao invés de consumir, o trabalhador simplesmente transformou o estímulo fiscal em mais poupança. Os depósitos em bancos aumentaram e a demanda interna caiu.
No mesmo período, estima-se que a propensão marginal do japonês a poupar tenha pulado de 14% de seus rendimentos para 16%, em média. Trata-se do maior índice do mundo.
O resultado disso é visível. As vendas internas de carros caíram em março pelo 12º mês consecutivo; os gastos com viagens, uma das principais atividades de lazer do japonês, caíram uma média de 5% em relação a 97; e a venda de aparelhos eletrônicos está 2,6% menor. O consumo interno privado representa 60% de todo o PIB (Produto Interno Bruto), de quase US$ 4 trilhões. Portanto uma queda na demanda é desastrosa e está levando o país, em 1998, ao primeiro "enxugamento" de sua economia nas últimas duas décadas.
O governo chegou a cogitar a validade de benefícios fiscais apenas para os japoneses que comprovem ter usado a renda extra absorvida com o corte de impostos para consumir.
Menores juros
Curiosamente, o alto índice de poupança no Japão convive com os menores juros do mundo. Os japoneses são os que mais poupam e os que menos ganham.
Para se ter uma idéia, quem deposita US$ 100 numa poupança japonesa ganhará, ao final de um ano, a remuneração de US$ 0,5 (cinquenta centavos de dólar). No Brasil, paga-se o dobro por mês. "Os japoneses não pensam no rendimento, mas sim na acumulação do capital ao longo da vida", diz o economista Kozo Kunimune.
Mas a essa tendência cultural somou-se a preocupação com a própria crise. "Os japoneses têm medo de perder seus empregos sem nenhuma poupança para sustentá-los mais tarde", reconhece um relatório oficial do próprio Ministério das Finanças japonês.
Além do desemprego recorde, os índices de falência de pequenas e médias empresas são os maiores da história do país. Na semana passada, divulgou-se que as falências individuais -pessoas que não conseguem pagar empréstimos bancários, principalmente financiamento habitacional- atingiram 71.299 em 1997, o maior número da história do Japão.



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